Eleições em Espanha em termos tecnológicos: o que dizem os analistas

A dissolução das Cortes e a antecipação das eleições para 23 de julho geraram incertezas quanto ao seu possível impacto nos projetos em curso, à continuidade da aposta na digitalização e à possibilidade de implementação do voto online. Esclarecemos estas e outras questões.

Por Irene Iglesias Álvarez

No dia 29 de maio, o Presidente do Governo, Pedro Sánchez, anunciou publicamente a dissolução do Parlamento espanhol e a antecipação das eleições legislativas. Uma manobra abrupta, quase kamikaze, típica de quem forjou o seu próprio manual durante a guerra do Kosovo, com dois cenários possíveis: a revalidação da sua posição ou a condenação ao esquecimento. Desde essa aparição institucional que prenunciava uma eleição de alta voltagem, as incertezas, as críticas e a tristeza perante os elevados recordes de mercúrio não pararam de se suceder. Com as eleições de 23 de julho à porta e uma onda de calor a espreitar o território, o debate sobre o exercício do direito de voto presencial está de novo na ordem do dia. Será que não dispomos de uma tecnologia suficientemente madura para podermos exercer este direito democrático também online? Alberto Bellé e Fernando Maldonado, analistas seniores da IDG Research, esclarecem esta e outras questões.

Atualmente, dizem, em Espanha só é possível votar presencialmente ou por correio, pelo que o debate pode aplicar-se a futuras eleições, mas não às atuais. “O voto telemático ou voto eletrónico está na agenda de muitos países há anos, embora, exceto no caso da Estónia, as iniciativas não se tenham concretizado ou tenham sido atrasadas ou revertidas pelas próprias nações. Os principais desafios não são puramente tecnológicos, mas de outra natureza. Neste contexto, apontam para três domínios distintos. Os riscos de ciberataques, os problemas jurídicos associados e a experiência do utilizador e eventuais erros. Tudo isto, dizem, se resume ao facto de que “embora a tecnologia exista, não há confiança de que os resultados sejam fiáveis. Há um longo caminho a percorrer até que o voto eletrónico se torne uma realidade.

Tecnologia: uma questão de Estado?

A grande preocupação no domínio tecnológico suscitada pela iminente antecipação da data do escrutínio reside na forma como esta poderá afetar a atual aposta na inovação e na digitalização lançada pela administração geral. “Se, anteriormente, apenas as questões relacionadas com a política externa e a defesa eram consideradas questões de Estado, no mundo globalizado de hoje, a digitalização tornou-se também uma delas”, reconheceu recentemente Eduardo Serra, presidente da Associação Espanhola para a Digitalização (DigitalES), numa conferência de imprensa. Na mesma linha, Víctor Calvo-Sotelo, diretor-geral da associação patronal DigitalES, afirmou que “este continua a ser um sector que reúne um grande consenso político”.

Os analistas da IDG Research concordam com eles. “A digitalização é uma questão de Estado, tal como a saúde, a educação ou a defesa, porque é transversal, ou seja, afeta todas as áreas da sociedade e as administrações no seu conjunto. Por isso, o mais importante é que seja tratada de forma coordenada, especialmente tendo em conta os três níveis de administração – central, regional e local – que existem em Espanha”. A chave neste sentido, dizem os especialistas, está em “decidir em que aspetos é interessante ter uma coordenação centralizada e em que aspetos é melhor que cada administração tenha a flexibilidade para se ajustar às suas próprias necessidades”.

Risco à vista?

Também controverso é o possível impacto – ou não – da antecipação das eleições em projetos ou iniciativas que já estavam em curso, como o famoso chip espanhol PERTE. “É necessário distinguir entre iniciativas estratégicas e enquadradas num contexto europeu e outras de carácter mais tático e local”, explicam os analistas. “O chip PERTE pertence ao primeiro caso: é uma iniciativa que está alinhada com a Lei Europeia dos Chips e é alimentada por fundos Next Generation. A Europa quer alcançar uma maior autonomia no fabrico de chips ao longo da sua longa e complexa cadeia de valor, e cada país está a colaborar/competir para atrair investimento”. Assim, embora “possa haver mudanças na forma como a estratégia é executada, incluindo a localização do foco, o projeto irá continuar”. Além disso, sublinham, “fá-lo-á independentemente de anúncios como o da Broadcom”, embora estes, reconhecem, “ajudem”.

Próximo ano político: tecnologias populares

De olho no próximo ano político, os analistas estão a discernir quais serão as tecnologias mais populares. Neste contexto, a inteligência artificial (IA) continuará a ser o grande ator. “Não há dúvida de que a IA continuará a estar no centro da agenda política. O seu impacto social é tão grande que ninguém pode escapar ao debate. Para além da dimensão social de como garantir que é utilizada de forma responsável e ética, existe a dimensão económica; esta é uma tecnologia que pode transformar as empresas e aumentar a produtividade de um país inteiro”.

Para além da vertente mediática da IA, “Espanha está a tornar-se um polo de atração de infraestruturas tecnológicas ligadas (centros de dados, cabos submarinos). Embora esta seja uma parte invisível para os cidadãos, tem um efeito dinamizador na economia digital no seu conjunto”. De tal forma que Espanha já entrou “por direito próprio” no “mapa mundial das infraestruturas tecnológicas”. Por outro lado, dentro das infraestruturas, a tecnologia 5G continuará a ser um assunto de grande interesse. “Qualquer nova implantação de infraestruturas de telecomunicações atrai sempre a atenção política. Neste caso, também tem a capacidade de arrastar start-ups que constroem serviços inovadores em cima dela”, revelam.

Áreas tecnológicas subjacentes aos acrónimos políticos

Independentemente dos resultados eleitorais, o próximo plano de governo deve centrar-se em algumas áreas tecnológicas vitais. Estas deverão, sem dúvida, permanecer as mesmas, independentemente do partido que estiver no poder. Os porta-vozes defendem que o plano de governo, “para além de incorporar o desenvolvimento de infraestruturas tecnológicas, deve também abranger outros elementos para além das próprias tecnologias”. Neste sentido, centram-se em três questões fundamentais. Por um lado, avançar na modernização das administrações, aproveitando as novas tecnologias para combinar maior rapidez e qualidade dos serviços ao cidadão com eficiência.

Por outro lado, impulsionar o desenvolvimento de competências para tornar toda a Espanha tecnologicamente competitiva, especialmente as PME. “Não só são necessários perfis especializados nas áreas mais avançadas, como a cibersegurança ou a inteligência artificial. Muitas empresas têm dificuldade em encontrar técnicos, o que constitui um desafio para que os projetos tecnológicos sejam viáveis na prática”. Por último, na regulação da utilização da tecnologia. Por exemplo, a emergência de novas tecnologias, como a IA, coloca novos desafios à privacidade dos cidadãos. Por conseguinte, a regulamentação deve ser revista para garantir a proteção dos seus direitos e uma utilização responsável. “As tecnologias estão a avançar a grande velocidade, e as administrações têm de monitorizar continuamente o equilíbrio entre oportunidades e riscos para a sociedade”, concluem.




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