Havendo vontade expressa dos governos e sendo uma necessidade imperiosa para potenciar o desenvolvimento dos países, das suas economias e, consequentemente, da qualidade de vida dos cidadãos, é fundamental analisar a realidade tecnológica, principalmente dos serviços públicos, que sofrem de problemas vários.
Por Eduardo Rebelo de Sousa, Consultor

Em comum à maioria dos países africanos, os cidadãos de Angola, Moçambique e Cabo Verde privilegiam o uso de telefones em vez de computadores pessoais para aceder à Internet e, segundo a Statista, “isso ocorre em parte porque as ligações móveis são muito mais baratas e não exigem a infraestrutura necessária para computadores pessoais com ligações à Internet por rede fixa”.
Esta realidade acaba por ser uma mais valia ao permitir despoletar, com menor custo, a desejada e necessária aproximação dos cidadãos a serviços, tanto privados como públicos, através de equipamentos e redes móveis.
Se as dificuldades sentidas pelas populações no acesso a serviços de qualidade já eram muitas, as medidas de distanciamento implementadas durante a pandemia, privilegiando o trabalho remoto, agravaram a situação, levando os governos a definir estratégias de transformação digital e a rever metodologias e processos para potenciar a eficácia e facilidade de acesso aos serviços públicos.
A construção de um futuro mais digital, de uma forma inclusiva e próspera, é um desígnio comum aos vários PALOP, que sabem que é fundamental a participação de todas as partes interessadas e que definiram como principais catalisadores do sucesso das suas iniciativas os seguintes pontos:
• A melhoria do acesso a serviços digitais através da internet;
• A criação de um ambiente propício ao desenvolvimento de novos serviços digitais através da Internet, acautelando a literacia digital e a segurança das transações;
• A expansão e massificação dos serviços digitais aos cidadãos.
Havendo vontade expressa dos governos e sendo uma necessidade imperiosa para potenciar o desenvolvimento dos países, das suas economias e, consequentemente, da qualidade de vida dos cidadãos, é fundamental analisar a realidade tecnológica, principalmente dos serviços públicos, que sofrem de problemas vários, desde a escassez de recursos humanos especializados, soluções informáticas heterógenas e, habitualmente, sem adequados contratos de suporte e dificuldades várias nas infraestruturas de comunicação de dados, data centers, networking, segurança, física e de informação e, principalmente, no que ao fornecimento de eletricidade diz respeito, não só pela baixo desempenho das redes públicas de abastecimento de energia, mas também pela falta de suporte efetivo a sistemas estabilizados de backup de energia que deviam garantir alta disponibilidade das plataformas..
Com todos estes problemas, a interoperabilidade entre os sistemas de informação das instituições públicas só recentemente entrou na ordem do dia, sendo fundamental para que a prestação de serviços massificados à população se torne uma realidade e, nesse sentido, seria uma mais-valia aproveitar a experiência das entidades financeiras, públicas e privadas, que conseguiram, em conjunto com os operadores de comunicações, desenvolver serviços de pagamento de qualidade nestes países, potenciando as economias de escala que a infraestrutura partilhada, gerida pelas entidades interbancárias, possibilita, bem como a interoperabilidade entre os sistemas das várias instituições, racionalizando uma vez mais os investimentos..
Acresce que para o acesso a serviços públicos, principalmente de uma forma digital, é fundamental que o cidadão se possa identificar de uma forma inequívoca, havendo várias formas testadas e seguras, desde certificados a chaves móveis digitais, mas, em países como Angola, em que mais de metade da população não tem ainda documento de identificação emitido, sendo a situação em Moçambique semelhante, será decerto esta uma das prioridades das ações a desenvolver e em que o uso de novas tecnologias pode desempenhar um papel fundamental.
A estratégias de inovação e transformação digital que os vários governos têm preconizado, têm o objetivo comum de criar o governo eletrónico (e-Gov) (¹) que, sem entrar na semântica e nas várias variantes que o termo encerra, se refere a um governo que usa tecnologias de comunicação interativa para transformar as conexões entre as partes interessadas (governo, instituições públicas, empresas, empresários e público em geral) em relações mais abertas, sociais e centradas no utilizador, para oferecer uma oportunidade de alcançar um governo mais transparente, responsável, responsivo e eficiente.
Resumidamente, esta é uma área emergente que está relacionado com o uso de tecnologias com base nos novos paradigmas tecnológicos (social, mobile, analytics, big data e open data) que, em conjunto com as tecnologias cloud, serão os principais facilitadores tecnológicos da inovação no setor público que permitirão no futuro a implementação do e-Gov 3.0.
Estes novos paradigmas fomentam a inovação nos serviços públicos com base no surgimento de um conjunto de tecnologias com potencial para alterar significativamente o funcionamento do setor público, desregulando-o, nomeadamente robotic process automation (RPA), intelligent document processing (iDP), artificial intelligence (AI), conversational AI e, mais recentemente, generative AI (GAI).
Para atingir estes objetivos é fundamental resolver os problemas existentes, que são muitos, entre os quais podemos identificar:
- Inexistência de uma plataforma governamental centralizada para prestação de serviços públicos;
- Diferentes entidades a competir para a prestação de serviço públicos, dispersando recursos e sem capacidade de ter uma visão holística sobre as necessidades dos cidadãos;
- Utilização de frameworks e tecnologias dispares, sem coordenação e sem aproveitamento das infraestruturas;
- Inexistência de interoperabilidade entre as várias entidades publicas.
- Simplificação burocrática e reengenharia de processos end-to-end.
Num mundo onde as máquinas inteligentes permitem potenciar (augmentation) o trabalho humano, os administradores e outros detentores de cargos executivos, quer públicos quer privados, precisam de ter conhecimento prático das tecnologias de automação antes de definirem como irão implementá-las com sucesso nas suas instituições, sem esse passo a estratégia e o sucesso das ações a desenvolver estará em risco.
Especialmente nesta realidade dos PALOP, é fundamental aplicar o conceito de hiperautomação às entidades governamentais, um termo que se refere “à automação avançada de processos de negócios, que as organizações usam para identificar, examinar e automatizar rapidamente tantos negócios e processos de TI quanto possível e que envolve o uso orquestrado de múltiplas tecnologias, ferramentas ou plataformas, permitindo que se automatizem rapidamente tarefas complexas e, assim, aumentar a eficiência, reduzir custos e melhorar a qualidade dos serviços” (²).
Apesar dos principais fabricantes de plataformas utilizadas para hiperautomação, como UiPath (RPA), DocAquire (iDP) e DRUID AI (conversational AI) privilegiarem a interoperabilidade entre sistemas, a utilização integrada de plataformas de gestão processual low-code permite às organizações criar aplicativos personalizados, sem a necessidade de codificação manual intensiva, permitindo criar soluções de hiperautomação mais avançadas de uma forma mais rápida, eficiente e, consequentemente, com menores custos.
No contexto abordado, em que as dificuldades são muitas e os recursos, sempre escassos, não abundam, é fundamental utilizar as potencialidades da tecnologia para ajudar quem interage com os serviços a conseguir uma resposta mais rápida e assertiva, aproveitando e dinamizando a apetência para utilização de equipamentos móveis.
Em Moçambique, apesar dos esforços governamentais, a taxa de penetração da Internet é estimada em 20%, devido principalmente a problemas da infraestrutura, mais sentidos nas áreas rurais, e aos altos custos que tornam os serviços caros para o poder de compra da população local, mas é uma prioridade do governo, suportada não só pelos operadores privados como por organismos internacionais, sendo expectável que no curto prazo a penetração seja muito maior.
No extremo oposto, em Cabo Verde a taxa de penetração de acesso móvel de Internet é superior a 84% existindo, no segundo trimestre do ano passado, 599 000 cartões SIM ativos no país superando o número total da população que ronda os 575 000.
Com uma população atualmente quase a atingir os 34 milhões de habitantes, Angola em finais do ano passado tinha 24 milhões de cartões de telemóveis ativos e, no que ao acesso à Internet diz respeito, 9,5M acedem através de dados móveis e só 700k por rede fixa.
Neste contexto, potenciar o acesso a serviços públicos através de canais bem conhecidos das populações, como o WhatsApp ou Telegram, faz todo o sentido em conjunto com tecnologia que permita identificar e responder às questões e necessidades das populações, utilizando IA para potenciar e facilitar a ligação às plataformas públicas centrais, não se trata de desenvolver novas aplicações móveis, mas sim dar uma melhor utilização àquelas que já existem e que estão globalmente disseminadas, podendo estes canais ser utilizados em conjunto tanto pelos funcionários públicos como pelos cidadãos.
Se recentemente atingir este nível de interoperabilidade e facilidade de acesso era quase ficção, a utilização de aplicações conversacionais de negócio superou as dificuldades e a introdução de IA generativa na sua plataforma, uma novidade que o nosso parceiro tecnológico DRUID AI apresentou no passado dia 24 de maio no evento “DRUID, Microsoft Azure e OpenAI ChatGPT: Pioneering Conversational Business Applications for a Better Life” (³), permite agora, de forma segura, fornecer informações internas, estruturadas ou não, para um prompt privado do OpenAI ChatGPT, que comunica com os diversos canais nativos da plataforma (WhatsApp, Telegram, MS Teams, Portais, etc.), respondendo imediatamente às dúvidas colocadas ou processos iniciados, permitindo que sejam concluídos automaticamente, 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem intervenção humana, podendo também ser utilizado internamente pelos funcionários públicos, de acordo com o seu perfil funcional, que atendem pessoalmente cidadãos e empresas facilitando o seu trabalho, sendo para isso que serve a tecnologia: Ajudar as pessoas.
São as Pessoas, que fazem e que sabem, que com o apoio da Tecnologia desempenham as funções que lhes foram atribuídas pela Gestão, que tem que ter acesso, de uma forma holística e em tempo real, à informação necessária para agir quando necessário, na prossecução da estratégia organizacional, sendo por isso fundamental que a tecnologia cumpra o seu papel e ajude a enfrentar os desafios que a necessidade de transformar digitalmente a forma como vivemos e operamos globalmente nos coloca, mas, para isso, mais que a tecnologia, que na UBIQUITY TECHNOLOGY dominamos, é fundamental ter capacidade para perceber os problemas, constrangimentos e necessidades internas para, depois, de novo com o apoio da tecnologia, as resolver, se necessário alterando a forma como trabalhamos para melhorar o desempenho global da organização ao mesmo tempo que facilitamos a vida às pessoas que, libertas de tarefas rotineiras, podem mais facilmente criar valor.
Nunca descurando o princípio da dignidade humana e sem temer a tecnologia, até porque tentar parar o vento com as mãos é o mesmo que tapar o sol com uma peneira, é essa a nossa especialidade e missão.
(¹) https://www.gov30.eu/egovernment-generations/
(²) https://www.gartner.com/smarterwithgartner/gartner-top-strategic-technology-trends-for-2021
(³) https://www.youtube.com/watch?v=lfJvUGeG3Mo&list=UULFz7xSvjDZbcLB6UcJmW1bMQ