“Contrariamente à crença popular, as criptomoedas também estão a ser utilizadas diariamente como meio de pagamento em todo o mundo”

A Binance, fundada em 2017 por Changpeng Zhao, é uma das principais criptomoedas a operar no mercado, o Computerworld conversou com Catherine Chen, Head of VIP & Institutional da Binance, sobre o funcionamento do mercado de criptomoedas, o momento que atravessa, a confiança dos investidores e aforradores, e a nova regulamentação europeia.

Por João Miguel Mesquita

Com o surgimento da Bitcoin em 2009, suportada pelo avento das fintech, e alicerçada pela segurança do blockchain, as criptomoedas com mais ou menos estabilidade foram ganhando o seu espaço, e hoje são uma realidade incontornável que não escapa a atenção de investidores institucionais, de aforradores ou mesmo simples utilizadores.

No inicio de março as criptomoedas reagiram negativamente à uma crise que envolveu o Silvergate Bank, conhecido por apoiar as criptomoedas nos Estados Unidos. O mercado das criptomoedas entrou novamente em queda, após uma pequena recuperação no início do ano. Falências e decisões dos bancos centrais que aumentaram as taxas de juro prejudicaram o mercado. Mas esta crise está instalada desde novembro 2021 com a queda de várias moedas, após terem batido todos os recordes de valorização.

A maioria das notícias sobre criptomoedas tende a falar do impacto dos altos e baixos da indústria nos utilizadores de “retalho”. Em que é que o panorama institucional é diferente? Estarão esses investidores menos “nervosos” com as flutuações do mercado e mais imunes a eventos como a recente queda da FTX? Em caso afirmativo, porquê? Se não, porque não?

 Catherine Chen, Head of VIP & Institutional da Binance

Enquanto os utilizadores de retalho tendem a referir-se a utilizadores individuais, os utilizadores institucionais são um termo amplo que pode incluir instituições financeiras, gestores de ativos, fundos de cobertura [‘hedge funds’], empresas de negociação de alta frequência e pequenas empresas.

Os montantes mais elevados que os utilizadores institucionais investem e gerem requerem normalmente uma visão a longo prazo, o que significa que lhes é exigido um elevado grau de diligência prévia [‘due diligence’]. Têm de fazer uma avaliação mais profunda e exaustiva de fatores como a segurança, as soluções de custódia, o desempenho comercial, a latência e a liquidez da plataforma, etc., mais do que um utilizador individual típico faria, antes de investir no mercado de criptomoedas. Isto não quer dizer que os utilizadores de retalho não se preocupem com esses fatores, mas sim que os investidores institucionais têm uma responsabilidade fiduciária para com os seus próprios investidores ou partes interessadas, que um utilizador de retalho individual não teria.

Os investidores institucionais avaliam os acontecimentos do mercado de acordo com a sua tolerância ao risco e tomam decisões em função dos tipos de instituições e da sua estratégia de investimento. Por exemplo, as empresas de trading de alta frequência não têm qualquer ‘bias’ direcional e querem capturar a volatilidade do mercado, o que significa que acolhem movimentos frequentes do mercado, em comparação com um cliente institucional mais conservador que pode querer alocar uma percentagem dos seus fundos como uma estratégia de cobertura ou diversificação – podem sentir que a potencial vantagem a longo prazo da aquisição de algumas criptomoedas pode superar os riscos potenciais.

Os nossos utilizadores institucionais disseram-nos que, assim que determinaram a proposta de valor dos criptoativos, reconheceram que entrar no mercado de criptoativos quando os preços estavam mais baixos, por exemplo, no final do ano passado (2022), pode funcionar para a sua estratégia de longo prazo. A Bitcoin subiu 70% desde o início deste ano, pelo que a forma como um investidor institucional se posiciona tem de estar alinhada com o seu horizonte temporal de investimento.

Atualmente (2023) qual é o ‘mix’ (%) de investidores institucionais vs investidores de retalho na plataforma Binance? E como é que as várias “más notícias” do mercado cripto de 2022 (e início de 2023) impactaram esses grupos de investidores (perdas/ganhos)? Pelos resultados dos últimos meses, acha que o mercado já está a recuperar das perdas?~

No primeiro trimestre de 2023, a Binance captou 8,3% mais clientes institucionais do que no trimestre anterior e, durante 2022, o número de utilizadores institucionais ativos na Binance aumentou 65%.

Não partilhamos o ‘mix’ de investidores institucionais e de retalho na nossa plataforma, mas o que podemos partilhar é que nos dedicamos igualmente a ambos os grupos de utilizadores. Simplesmente têm necessidades diferentes e o nosso objetivo é servir ambos os grupos da melhor forma possível. É por isso que temos um programa VIP abrangente que cobre ambos os tipos de utilizadores, dependendo do seu nível de atividade e certificamo-nos sempre de que temos uma vasta oferta e gama de produtos e serviços para garantir que satisfazemos as diferentes necessidades de investimento dos utilizadores individuais ou institucionais de elevado valor. A razão pela qual somos líderes de mercado tanto para utilizadores institucionais como de retalho é porque a Binance tem um núcleo centrado no utilizador, o que se reflete na nossa marca a nível global.

Para os utilizadores institucionais que necessitam de mais apoio se forem relativamente novos no mundo das criptomoedas, oferecemos um serviço VIP personalizado para os ajudar a orientar ao longo do processo, para que possam sentir-se confortáveis sabendo que estão a participar numa excitante classe de ativos emergente de uma forma que está alinhada com a sua experiência de finanças tradicionais em geral e que lhes permite estar totalmente em conformidade com a sua responsabilidade fiduciária.

Uma vez que os investidores institucionais têm de fazer uma avaliação mais aprofundada quando entram num mercado de ativos como o das criptomoedas, isso significa que têm uma estratégia e uma perspetiva de mercado a mais longo prazo. Isso significa que a participação institucional tende a ser mais consistente e à prova de ciclos, enquanto os investidores de retalho são geralmente mais reativos às tendências de mercado de curto prazo ou às notícias do setor. É por isso que estamos a observar que os utilizadores institucionais continuam a permanecer no mercado, apesar das manchetes ocasionais sobre condições de mercado mais ‘soft’.

Do seu ponto de vista, quais são os principais desafios que o setor das criptomoedas enfrenta em termos de crescimento e consolidação?

Trata-se, de facto, de educação e da criação de mais ferramentas, tendo em conta a juventude da nossa indústria. Dependendo do ponto de vista, as finanças tradicionais têm séculos de história. O bom é que podemos basear-nos no que aprendemos nas finanças tradicionais e encontrar formas de promover uma maior inclusão financeira. As tecnologias de criptomoedas e de blockchain têm um apelo global sem fronteiras, porque são tecnologias que podem potencialmente reduzir os custos de transação e permitir-nos envolvermo-nos com comunidades mais carenciadas à escala global.
A consolidação pode ser positiva se conduzir a uma maior eficiência e se ajudar a indústria a evoluir com melhores soluções e ferramentas. No entanto, é mais importante considerar a forma como cada interveniente no nosso setor pode fazer crescer todo o mercado em conjunto. Se compararmos com a dimensão do setor das criptomoedas, trata-se, na verdade, de uma pequena percentagem do que são os mercados financeiros tradicionais, e essa é a parte emocionante: há imenso espaço para crescer.

Algumas das conversas em torno da ‘mineração’ de criptomoedas têm sido sobre o seu impacto no consumo de energia. Uma vez que muitos investidores institucionais também estão muito preocupados com o impacto das alterações climáticas e com a sua “pegada de carbono”, como acha que esta questão afetou alguns potenciais investimentos nesta área? E o que é que a indústria pode fazer em relação a isso?

As blockchains [que usam o protocolo] de prova de trabalho (PoW) utilizam, de facto, quantidades substanciais de energia, por definição. A utilização de energia não só suporta o sistema de transferência, mas também a segurança da rede, pelo que é uma parte essencial do sistema. Mas isto não é necessariamente tão negativo como pode parecer, porque a economia da bitcoin significa que os mineradores são incentivados a encontrar a eletricidade mais barata, que é frequentemente a de fontes renováveis que estão isoladas das redes elétricas – a transmissão de energia a partir destes locais requer frequentemente soluções de armazenamento dispendiosas que nem sempre são investimentos económicos para as empresas de energia. Os mineradores de Bitcoin (BTC) podem, por conseguinte, deslocar-se localmente e adquirir eletricidade barata e renovável que, de outro modo, seria desperdiçada como comprador secundário. Por sua vez, isto ajuda a viabilizar a construção de infraestruturas renováveis e permite-lhes fornecer eletricidade à rede. Em grande escala, isto tem o efeito de acelerar a adoção de energias renováveis a nível global.
Já o Ethereum, a segunda maior rede de blockchain do mundo, passou por uma mudança de PoW para PoS (Proof of Stake) em setembro de 2022, sendo um dos principais motores da mudança a eficiência energética superior do último mecanismo de consenso. O Crypto Carbon Ratings Institute (CCRI) examinou o impacto da transição da Ethereum e descobriu que seu consumo anualizado de eletricidade caiu mais de 99,9%. Consequentemente, a pegada de carbono da Ethereum também diminuiu em 99,9%; e há uma série de protocolos ecológicos e eficientes em termos energéticos a emergir. A indústria está a levar isto a sério e há uma dependência crescente de fontes de eletricidade mais limpas, como a eólica, a solar e a hídrica.

O processo inicial de mineração, por si só, não torna as criptomoedas intrinsecamente prejudiciais para o ambiente, e as blockchains estão a tornar-se mais eficientes em termos energéticos e dependem sobretudo de fontes renováveis: um estudo do segundo trimestre de 2022 do Bitcoin Mining Council revelou que 59,5% da energia global usada para mineração de BTC é derivada de fontes renováveis, indicando uma mudança em direção à sustentabilidade do processo. Dada a mudança mais ampla para fontes de energia renováveis em todo o mundo, é provável que esta tendência se acelere no futuro.

Para muitos investidores, as criptomoedas podem ser vistas como um bem de consumo e uma forma de diversificar uma carteira. Que outros casos de utilização vê que podem justificar o investimento em criptomoedas?

As criptomoedas oferecem inúmeros casos de utilização para além de serem vistas apenas como uma mercadoria ou um meio de diversificação de carteiras.

As criptomoedas como a Bitcoin e a Ethereum ganharam reconhecimento como reserva de valor, semelhante ao ouro ou a outros metais preciosos. A oferta limitada e a natureza descentralizada da Bitcoin podem torná-la uma opção atrativa para os investidores que procuram uma proteção contra a inflação ou uma reserva de riqueza a longo prazo. Ao investir em criptomoedas, os indivíduos podem diversificar a sua carteira de ativos e potencialmente preservar o poder de compra ao longo do tempo.

Contrariamente à crença popular, as criptomoedas também estão a ser utilizadas diariamente como meio de pagamento em todo o mundo.

Desde a famosa primeira troca de bitcoin por um bem tangível (duas pizzas!) em 2010, pessoas de todo o mundo têm vindo a utilizar criptomoedas para comprar produtos e serviços – muitas vezes vitais em situações e locais onde o dinheiro fiduciário não está facilmente disponível. Nos últimos anos, com a crescente integração das criptomoedas nos sistemas e métodos de pagamento tradicionais, surgiram muitos serviços que permitem que as pessoas gastem as suas criptomoedas mesmo em comerciantes que desejam ser pagos em moeda fiduciária.

Um bom exemplo é o Binance Card, que permite que os titulares usem criptomoedas para comprar bens e serviços onde quer que os principais sistemas de pagamento fiduciário operem. E depois há o Binance Pay, uma tecnologia de pagamento de criptomoedas sem contacto, sem fronteiras e segura. Tudo isto significa que existem ainda mais opções para os utilizadores gastarem as suas criptomoedas em todo o mundo.

A Binance recebeu várias autorizações de operação de mercado, como na Europa, sendo também esperada uma autorização em breve do regulador português. Mas agora, a União Europeia aprovou o “Markets in Crypto Act” (MiCA) e espera-se que os países da UE que ainda não têm regulamentos de criptomoedas, adotem o MiCA em breve. Em todo o caso, isto também pode fazer adiar, em alguns países, legislação que estava prestes a ser aprovada. Como vê a MiCA: é um passo em frente para a indústria de criptomoedas na Europa ou não? Qual a sua importância para os investidores institucionais em criptomoedas?

Com a MiCA, o panorama regulamentar mudou e isso é positivo para os utilizadores, tanto retalhistas como institucionais, e para a indústria. A MiCA trará clareza regulamentar a um dos maiores mercados do mundo, tornando a UE um local ainda mais atrativo para as empresas Web3 inovarem e atraírem talentos. Tal como acontece com toda a regulamentação, os pormenores serão fundamentais, mas, de um modo geral, acreditamos que esta é uma solução pragmática para os desafios que o setor enfrenta:

  1. Maior segurança e proteção
    1. O MICA permitirá uma maior segurança e proteção para todos os utilizadores e empresas de criptoativos, bem como responder aos desafios e ameaças que enfrentam coletivamente
  2. Clareza regulamentar num dos maiores mercados do mundo
    1. Clareza regulamentar na Europa, tanto para os utilizadores como para os prestadores de serviços de criptoativos (CASP), uma vez que permite o acesso com passaporte a um dos maiores mercados do mundo
  3. Inovação, crescimento e competitividade
    1. Posicionar a UE e os seus Estados-Membros como mercados atrativos para as empresas da Web3 realizarem operações e continuarem a inovar.
    2. A clareza regulamentar impulsiona a competitividade da inovação em todos os mercados, criando o tipo de certeza e tranquilidade de que os investidores e as empresas necessitam. Com a implementação da iniciativa MiCA, a Europa está preparada para atrair inovadores da Web3 de todo o mundo.
  4. Reconhecimento institucional
    1. A MiCA é um dos primeiros quadros regulamentares mundiais a reconhecer os ativos digitais como uma classe de ativos separada, em vez de tentar encaixá-los numa classificação existente.
    2. Reconhece também a DeFi [Finança Descentralizada], com todas as possibilidades que poderá oferecer no futuro, embora a atual regulamentação da MiCA ainda não contemple a DeFi, algo que será feito posteriormente.

A Binance tem investido na educação em cripto há algum tempo e agora até criou um chatbot de IA para facilitar a busca de respostas no site da Binance Academy. Qual a importância da educação dos utilizadores para a indústria das criptomoedas/blockchain? E como é que a IA pode ser utilizada para promover este tipo de iniciativas?

A educação desempenha um papel crucial na indústria das criptomoedas/blockchain, e é da maior importância que os utilizadores tenham acesso a recursos educativos fiáveis e abrangentes. É essencial colmatar a lacuna de conhecimento no que diz respeito às criptomoedas e os utilizadores têm o direito a informações precisas sobre os ativos criptográficos, sem receio de serem vítimas de publicidade desleal ou enganosa.

O nosso objetivo aqui na Binance é facilitar a adoção mundial da Web3, criando um ecossistema que seja acessível a todos, enquanto abraçamos continuamente a tecnologia de ponta. Como parte dessa visão, damos uma ênfase especial à educação e à partilha de conhecimentos.

Seguindo essa visão, temos sido proativos no investimento em iniciativas de educação em cripto, como a Binance Academy, uma das maiores plataformas para educação em criptomoedas e blockchain, nossos esforços de educação por meio da Binance Charity ou, mais recentemente, o lançamento em abril de Binance Sensei, uma ferramenta inovadora de aprendizagem de chatbot orientada por IA que está perfeitamente integrada com a Binance Academy.

O Binance Sensei permite que os utilizadores acedam à riqueza de conhecimentos disponíveis na Binance Academy de uma forma mais intuitiva. Este é apenas um exemplo de como acreditamos que a tecnologia de IA pode, em última análise, tornar a educação mais acessível a todos.




Deixe um comentário

O seu email não será publicado