A tragédia das desistências em cursos superiores tecnológicos

Estamos a desmotivar os nossos jovens e não só nas tecnologias (STEM). Entram nas universidades com expetativas elevadas e com um conhecimento digital muito acima do que as cadeiras dessas instituições de ensino lhes podem oferecer.

Por Nuno Rosado, CEO da TechOf

O portal infocursos mostra que nos cursos de Técnico Superior Profissional (politécnicos), 24,4% dos ingressados já não se encontravam registados no segundo ano do curso escolhido. Nas licenciaturas, a percentagem de desistência no primeiro ano ronda os 10,8%.

Investi algum tempo a avaliar esses números, em relação aos cursos dentro das TIC e com uma pequena categorização (dentro do possível e baseando-me apenas nos nomes dos cursos) e deparei-me com o seguinte: nos cursos genéricos de informática e gestão, a desistência ronda os 13%; em cursos relacionados com segurança informática, ronda os 14%; em cursos de tratamento de dados, os 12%, e os de programação estão já nos 21%. Os números em si, não são bons.

De acordo com os dados do Pordata, detalha-se que em 2021 saíram 8.056 diplomados em “Ciências, Matemática e Informática”, as chamadas STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics). Ora, este número inclui politécnicos e universidades, tanto públicas como privadas, e como podemos ver pela descrição do agrupamento, inclui outras áreas que não as TIC.

Fiquei curioso sobre as engenharias informáticas e, ainda no portal de infocursos, agreguei todos os cursos (excluindo os pós-laboral que têm um índice de desistência muito elevado), que perfez um total de 5.450 inscritos e, este ano, só se encontram a estudar 4.142 (desistência de 14%). E se assim continuar, nos próximos 2 anos então terminam os cursos menos de 2.400 alunos.

A meu ver, isto é insuficiente para um país que deseja efetuar a transformação digital. Mas continuamos com um ensino de exigência de colocação muito elevada, um acompanhamento aos alunos deficitário e conteúdos programáticos desenquadrados da realidade empresarial.

Estamos a desmotivar os nossos jovens e não só nas tecnologias (STEM). Entram nas universidades com expetativas elevadas e com um conhecimento digital muito acima do que as cadeiras dessas instituições de ensino lhes podem oferecer. Sabemos isto porque a média de sucesso dos diplomados estava, em 2020, nos 22%, alinhado com a média total de cursos e onde nos encontramos dentro da média europeia (21%), mas muito abaixo de outros países – e tendo como líder a Irlanda, com 40%, baseado em estatísticas europeias.

Ficamos, assim, muito aquém dos diplomados que são necessários para o mercado de trabalho e, por isso, criamos um enorme gap entre a procura e a oferta de talento tecnológico.

Por fim, não podemos esquecer que a velocidade de mudança das tecnologias de informação faz com que cerca de 1/3 das competências já adquiridas sejam irrelevantes passados três anos – isto, baseado num estudo da Gartner em 2020, onde também se percebeu que apenas 37% da formação tradicional será aplicada no seu progresso profissional. Recomendo este artigo da ComputerWorld, para que se perceba ainda melhor do que estou a falar.

Sendo assim, o desespero das empresas na procura de talento tecnológico, na maioria das áreas TIC, adensa a especulação de salários e a rotatividade, que em nada contribuem para o sucesso das empresas ou das suas pessoas.

Os jovens de hoje já não se revêm nas estruturas de ensino ou nas estruturas empresariais atuais. A acessibilidade à informação, oriunda de qualquer parte do mundo, abriu-lhes as perspetivas culturais, profissionais e de estilo de vida. Esta geração Z é empreendedora, ávida por experiências de vida com resultados no imediato e cada vez mais despegada de bens materiais. São extremamente criativos e ativos. Não se conseguem identificar com informação/ferramentas sem a aplicação imediata das mesmas.

Podemos afirmar que sempre foi assim, as gerações mais velhas descrevem sempre as gerações mais novas da mesma forma, como desalinhadas ou disruptoras, mas esta geração é muito mais empreendedora e muito mais capacitada tecnologicamente – e essa é a grande diferença.

Este assunto requer uma abordagem diferente. E todos temos de perceber que os Recursos Humanos que necessitamos nas empresas podem ser encontrados, atualmente, com backgrounds diferentes do que sempre foi a norma. Temos de repensar nos requisitos que definimos quando necessitamos de contratar.

Existem poucos talentos tecnológicos. Só desejamos as Engenharias, para depois colocar esses pós-graduados em formação interna, visto que não têm as skills necessárias para iniciar as suas carreiras profissionais, depois, congratulamos a sua evolução e prontamente passam a gerir um departamento (perdendo possivelmente um dos melhores “técnicos” da empresa) e, assim, sentimos o nosso dever como empresa cumprido. Premiamos os talentos com promoções e responsabilidades para as quais, talvez, não tenham as skills ou vontade para tal, para depois voltarmos ao mercado, porque agora necessitamos de outro “técnico”.

Temos de mudar a nossa mentalidade no recrutamento. Um bom programador com um curso de Reskilling ou Upskilling quer programar e, com isso, conseguir estabilidade financeira para melhorar o seu estilo de vida. Se for mesmo bom no que faz, existe hoje uma grande probabilidade de não desejar ser promovido, mas sim reconhecido financeiramente, ou através de posições que potenciam a continuação do que faz. Este é o “switch” que temos de conseguir fazer.

Nem todos se imaginam ou objetivam carreiras de gestores, managers ou diretores. Desejam a satisfação profissional, reconhecimento financeiro e experienciar a vida na sua plenitude.

Temos, hoje, ao nosso dispor, diversas formas de abordar estes desafios, como o conceito de “Bottom-Up Hiring”, onde podemos, com a ajuda das chefias intermédias, perceber o potencial dos recursos da empresa, envolvê-los no processo, perceber as suas motivações e com isso requalificar (reskilling) para novas funções; podemos redefinir a procura por talento, apostar em CVs sem formação superior, apostar nos recursos que tomaram as decisões mais difíceis, isto é, na requalificação (reskilling); perceber que a inclusão é fundamental e, hoje, qualquer pessoa consegue capacitar-se para conseguir uma melhor carreira ou qualidade de vida, temos de abrir as nossas mentes empresariais a estas novas realidades. Por fim, investir internamente na qualificação (upskilling) e na requalificação (reskilling) dos colaboradores, de forma recorrente – isto porque as tendências e exigências do mercado estão em constante mutação.

Desta forma, mantemos o mais importante dentro da estrutura das empresas: o capital humano, as relações das equipas, a cultura da empresa e, em resumo, a identidade e valores da empresa. Mas, ao mesmo tempo, abraçamos a mudança e a inovação. Temos os recursos humanos, temos o sentido de inovação na nossa história como país e cultura, sempre fomos audazes: está na hora de zarpar de novo para o futuro digital e tecnológico desconhecido, mas agora preparados para fazê-lo.




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