Fantasmas Digitais

Somos fantasmas digitais num sentido passivo: ou seja, somos autobiografias animadas nas redes sociais. O Facebook, por exemplo, é o maior cemitério do mundo ou a maior enciclopédia dos mortos: cinquenta milhões são perfis de utilizadores falecidos.

Por Davide Sisto, autor do Livro Fantasmas Digitais – Imortalidade, memória e luto na era das redes sociais

“Fantasmas Digitais” aborda um tema fundamental da era tecnológica que estamos a viver: a metamorfose da nossa relação com a morte, o luto, a memória e a imortalidade devido às tecnologias digitais. Nos últimos anos, habituámo-nos a prolongar a nossa presença psicofísica no mundo online: produzimos, partilhamos e registamos dados sobre as nossas biografias pessoais e colectivas nas redes sociais e em todos os locais de interacção na Web. O processo de registo determina uma diferença importante entre a vida biológica e a vida digital dos seres humanos. Quando morremos, continuamos a estar presentes na dimensão online como se nada tivesse acontecido. Tornamo-nos verdadeiros fantasmas digitais.

Por um lado, somos fantasmas digitais num sentido passivo: ou seja, somos autobiografias animadas nas redes sociais. O Facebook, por exemplo, é o maior cemitério do mundo ou a maior enciclopédia dos mortos: cinquenta milhões são perfis de utilizadores falecidos. Diz-se que, dentro de algumas décadas, serão milhares de milhões. Isto revoluciona a forma como choramos e recordamos os entes queridos falecidos. A isto juntam-se os perfis privados em aplicações de mensagens privadas como o WhatsApp: cada vez mais pessoas dizem que continuam a escrever aos seus entes queridos falecidos no seu perfil do WhatsApp. Desta forma, a relação simbólica entre os vivos e os mortos prolonga-se através da utilização das tecnologias. 

Por outro lado, somos fantasmas digitais num sentido activo: ou seja, tornámos autêntica a narrativa contida no episódio “Be Right Back” de Black Mirror. Existem inúmeras experiências científicas que tentam alcançar a imortalidade digital. Reprocessam dados registados online para que os vivos possam continuar a interagir activamente com os mortos. Modernizam as sessões espíritas através da dimensão online. Ou, em alternativa, cria-se uma nova forma de recordar os mortos: já não nos contentamos com imagens fotográficas imutáveis, mas exigimos que o falecido responda às nossas perguntas. Criamos uma espécie de ligação surrealista entre o nosso mundo e o além. Basta uma ligação activa à Web.

O livro analisa estas questões e questiona as diferentes formas como a “morte digital” altera o tabu ou o afastamento social e cultural da morte. Muda a forma como celebramos os mortos, surgem novas armadilhas entre a presença dos vivos e a ausência dos mortos, mudam as formas de organizar a herança e o testamento. Acima de tudo, vivemos na era da retromania, que não aceita o fim das coisas e das pessoas. É preciso, portanto, compreender este fenómeno para não ficarmos alienados. Estamos a viver uma transformação antropológica radical, que envolve também a relação entre a vida e a morte.




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