“Blockchain não nasceu para substituir bases de dados”

Mas se as economias e empresas estiverem dispostas a mudar o seu modo de funcionamento para aproveitar a nova tecnologia a mais antiga não ser suficiente, diz Elenice Macedo, da Fujitsu.

Elenice Macedo, líder de soluções software e consultoria para serviços financeiros, na Fujitsu

Considerar  a blockchain como uma base de dados é um mal-entendido, avisa Elenice Macedo, líder de soluções software e consultoria para serviços financeiros, da Fujitsu para a região EMEIA.  Todavia, se as economias e as empresas mudarem o seu modo de funcionamento, para as aplicações baseadas na tecnologia de registo cifrado fazerem sentido, o modelo actual subjacente à actividade deixará de bastar.

A Distributed Ledger Technology (DLT), base da blockchain, só atingirá o seu potencial combinada com a de contratos inteligentes, ou “smart contracts”, e automatização, vaticina.

Computerworld ‒ Na sua opinião, qual será o impacto da blockchain no mercado das bases de dados?

Elenice Macedo ‒ A blockchain, ou como preferimos chamá-la, a Distributed Ledger Technology (DLT) não nasceu para substituir os actuais líderes no mercado de bases de dados. É um mecanismo lógico e técnico para alcançar o consenso entre um número desconhecido de partes interessadas (conhecido como “sem permissão”) ou conhecido (“com permissão”) que não confiam umas nas outras relativamente ao estado de um ‘livro-razão’ [registo] partilhado, sem a presença de um ‘executor de confiança’ (autoridade central).

De acordo com a Gartner, 90% dos projectos que utilizam blockchain não precisam realmente de blockchain, sobretudo quando falamos de blockchains com permissão (por oposição aos modelos sem permissão, como bitcoin, Ripple, etc.). No entanto, esta tecnologia é usada talvez por causa do “hype”, e este também é o motivo pelo qual tantos projectos blockchain ficam presos na fase de prova de conceito.

Esta não é a abordagem certa: a blockchain vai mudar todos os sectores da indústria em que os “stakeholders” possam criar novos modelos de negócio para resolver problemas que não poderiam ser resolvidos com a tecnologia actualmente disponível. A questão principal que impulsiona a tecnologia blockchain é “será que confio que os dados que estou a usar são bons e posso usá-los como base para aferir o meu risco?”

Como tal, olhar para a blockchain como uma base de dados pura é um mal-entendido. Algumas das suas principais funcionalidades, como a descentralização, o consenso, a fiabilidade e a transparência não são funcionalidades de base de dados, mas abrem novas possibilidades a explorar.

CW ‒ Como pensa que a blockchain poderá tornar-se mais rápida de modo a poder ser uma candidata mais viável para substituir as bases de dados relacionais?

EM ‒ A blockchain não foi criada com o objectivo de substituir as bases de dados actuais, nem de substituir as soluções actuais, mas para resolver problemas que não tinham sido resolvidos até ao momento com as tecnologias disponíveis. Não obstante, a tecnologia vai evoluir.

Embora vejamos que a blockchain ainda não ganhou velocidade de transacção suficiente, meramente devido à natureza do modelo descentralizado, esperamos vê-la aumentar [de rapidez]. Isto é muito visível no sector financeiro, onde a adopção da blockchain está focada de momento na pós-resolução e não nas aplicações e front-end.

A questão não se reduz a se se tornará mais rápida e diferente para substituir as bases de dados clássicas, mas também se o tecido económico e empresarial irá adoptar e ajustar suficientemente o seu modo de funcionamento, de modo a que a introdução de uma aplicação baseada em blockchain faça sentido. Se assim for, o anterior modelo de base de dados relacional subjacente a esse modo de funcionamento deixará de bastar.

Nesta fase, o uso de blockchain tem de ser cuidadosamente validado caso a caso, ao mesmo
tempo em que se considera o custo total de um “livro-razão” [registo] distribuído comparado a um único “livro-razão”, e as vantagens mais imediatas de tais modelos clássicos.

CW ‒ Qual poderá ser a solução para erros no software [de blockchain]?

EM ‒ Assistimos a um crescimento incrível numa série de projectos que tiveram início em 2017, de diferentes sectores, na resolução de problemas ou na criação de modelos de negócio diferentes. Isto contribuiu para um avanço na maturidade das soluções, ao mesmo tempo em que levantou muitas questões, incluindo em assuntos legais como a responsabilidade e os
padrões.

Caso esta tendência continue, com investidores e stakeholders de todos os sectores a trabalharem com blockchain e instituições como o Blockchain Research Institute (BRI) no Canadá a alinharem as melhores práticas, então a tecnologia será cada vez mais fiável e mais bem compreendida num tempo mais curto do que o previsto, à medida que uma maior atenção do mercado força uma aceleração imprevisível. Um software terá sempre erros; a blockchain acrescenta camadas de complexidade adicionais, não só devido à natureza distribuída do ‘código’ como também ao aumento dos contratos inteligentes e de acções autónomas em blockchains. Manter o bom senso
e acompanhar o que está a ser lançado é, para mim, um dos pontos a ter em conta para todos os projectos actuais e futuros (‘o código é lei’).

Tal como acontece com a maioria das tecnologias nos seus primeiros tempos, toda a extensão de usos (ou abusos) futuros ainda está por descobrir. A principal questão não é se é uma boa tecnologia, ou se a plataforma é ou não adequada para os propósitos.

Tem mais a ver com uma resposta a questões actuais como quais são as aplicações válidas, qual é a intenção, porque precisamos de mudar aquele processo específico, como e porque mudaríamos o tecido económico e financeiro, e será que a aplicação desta tecnologia específica faz sentido?

CW ‒ Quais os maiores desafios que, em sua opinião, a tecnologia terá para facilitar ganhos de escala e confidencialidade?

EM ‒ A tecnologia básica da blockchain ou DLT por si só apenas alcançará o seu potencial quando combinada com os contratos inteligentes [smart contracts] (“Chaincode”; em Hyperledger) e a automatização possível (inteligência artificial, automatização de processos robóticos, etc.). No entanto, isto poderá originar problemas regulamentares ou previsibilidade e operações mais arriscadas (por exemplo, a falha da Organização Autónoma Descentralizada da Ethereum).

A conformidade e os requisitos regulamentares são uma componente essencial do cenário económico e financeiro, daí o foco actual nas blockchains e DLT com permissão. Embora isto possa mudar, tal como estão hoje, os requisitos regulamentares não podem ser deixados à deriva sem permissão para que esta se auto-regule, sobretudo quando é incerto quem tem responsabilidades e quem pode ser responsabilizado.

As blockchains (com permissão) privadas e de consórcio são a norma esperada, sobretudo nos serviços financeiros. É evidente que este será o caso no futuro mais próximo por uma série de razões, incluindo, entre outras, questões de facilidade de gestão, regulação e conformidade, luta contra a lavagem de dinheiro, conhecimento do cliente, escalabilidade ou desempenho.

O refinamento gradual da tecnologia irá alargar a sua aplicabilidade, onde o valor advém de forçar uma nova forma de pensar tendo por base um modelo de consenso distribuído. Todavia, há muitos problemas que têm de ser solucionados até que todo o potencial desta tecnologia e de tecnologias relacionadas se materialize.

Os analistas prevêem que demore mais cinco a dez anos. Por outro lado, a Fujitsu reparou numa aceleração significativa na adopção e nas experiências em curso, e revemos periodicamente as nossas estimativas em consonância com a realidade encontrada. Não é irrazoável pensar que a maioria dos projectos de blockchain e DLT, bem como o seu código base, se venham a transformar e sejam integrados em empresas de software empresarial.

As vantagens de segurança seriam vastas e uma aplicação universal poderia fazer com que a blockchain deixasse de ser uma tecnologia da moda e se transformasse numa vantagem de negócio tangível.

CW ‒ Como é que a Fujitsu planeia usar a blockchain nos seus produtos e serviços? E como é que as vossas estratégias para a IoT e a blockchain actuam em conjunto?

EM ‒ A Fujitsu e os Fujitsu Laboratories trabalham há já alguns anos na tecnologia blockchain. Inicialmente, o foco eram as provas de conceito, que estão em curso. Hoje, estamos cada vez mais focados em ajudar os clientes na sua jornada, não apenas em fornecer o veículo tecnológico para chegarem onde querem.

Além do Japão, estamos a trabalhar em iniciativas em Espanha, no Reino Unido, na Bélgica e no Luxemburgo, a implementar os métodos necessários para ajudar os clientes a mudarem processos de negócio, por exemplo.

Uma das principais áreas de trabalho é certificar-nos de que os clientes não ficam presos num modo de prova de conceito, permitindo-lhes avançar rapidamente para uma prova de negócio. Uma dessas iniciativas é um estudo de I&D sobre a aplicabilidade da blockchain em cidades inteligentes, incluindo as ligações com transacções financeiras.

A Fujitsu é uma parceira principal e patrocinadora do Hyperledger Project – um esforço colaborativo que pretende fazer avançar a tecnologia blockchain através da identificação e análise de funcionalidades importantes para um padrão aberto multi-sectorial para registos distribuídos.

Em Março de 2016, a Fujitsu e o Mizuho Bank conduziram uma bem-sucedida experiência operacional conjunta de uma solução de transacção de títulos transfronteiriça baseada em blockchain. Isto ajuda a combater a interferência com o histórico de transacções e reduz o tempo de processamento de três dias para o próprio dia.

Os consumidores também podem beneficiar desta colaboração, uma vez que ela pode reduzir os riscos – como as flutuações de preços – associadas a transacções transfronteiriças de títulos.
Em Janeiro deste ano, juntamente com o Mizuho Financial Group, Inc., o Sumitomo Mitsui Financial Group, Inc., e o Mitsubishi UFJ Financial Group, Inc., a Fujitsu está a utilizar blockchain para conduzir uma experiência no terreno conjunta, durante de três meses, com  um serviço de transferência de dinheiro entre indivíduos.

Todos falam da IoT como se os objectos conectados se estivessem a tornar cada vez mais autónomos. Esta é outra área em que a blockchain tem vantagens acrescidas, em termos de contratos inteligentes e prova de propriedade.

A principal ideia é que a maioria das regras e acordos pode ser programada numa Blockchain (por exemplo, se o seu frigorífico detectar que está avariado, pode cortar a energia a dispositivos não essenciais da sua casa para evitar uma falha geral, através de uma sequência acordada e prioridades e após validação de que o frigorífico tem autorização para fazer tal coisa. O aparelho até pode desencadear um pedido de manutenção e autorizar o pagamento.

Há muitos outros exemplos de transferências de valor/informação (entre empresas, consumidores e máquinas em todas as variantes) que são críticas para o tecido económico actual. Descentralizar informação e transacções ao mesmo tempo em que se assegura a transparência e a confiança tem um mérito significativo.

Junte-se a isto os bens físicos referenciados e é óbvio que veremos um crescimento significativo de
aplicações baseadas em blockchain. Além disso, a blockchain é digital por design. Documentos, bens, bens físicos referenciados e informação são expressos em código e adicionados a um “livro-razão” descentralizado, permitindo uma prova de propriedade e transferência na blockchain.

CW ‒ Entre os vossos clientes, que tipo de empresas está a adoptar primeiro a tecnologia?

EM ‒ O sector dos serviços financeiros tem sido o primeiro a testar as possibilidades da blockchain e DLT, e os bancos e as seguradoras estão na linha da frente no que toca a moldar os padrões e as melhores práticas em plataformas tecnológicas e implementação. Embora haja muitos desafios a superar para ganhar todo o valor do investimento na tecnologia, o sector dos serviços financeiros já chegou a uma etapa em que as organizações que ainda não aferiram como podem aproveitar a blockchain e a DLT como parte da sua estratégia já estão a correr o risco de ficar para
trás.

Há um número quase ilimitado de casos de uso que podem ser colocados em blockchains especializadas, e um número quase ilimitado de modelos de confiança. Combinada com a identidade digital, a blockchain é crucial para alargar as aplicações a novos mercados verticais, a par de outras capacidades emergentes, e tem a capacidade de amplificar os benefícios.




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