Perto de 54% dos projectos com implementação mal sucedida, falham por faltar o envolvimento dos gestores do topo da hierarquia, diz um estudo promovido pela APDSI.

João Catarino Tavares, coordenador do estudo da APDSI
Os principais factores de sucesso de um projecto de Business Intelligence (BI) na Administração Pública são o “patrocínio de topo” (cerca de 78%), além da “adesão dos utilizadores finais”, a “definição do projecto”, incluindo custos e riscos, e a liderança desse mesmo projecto, revela um estudo, promovido e apresentado esta quinta-feira pela Associação para a Promoção da Sociedade da Informação (APDSI). O destaque do relatório vai para o patrocínio dos gestores do topo da hierarquia pois, na maioria dos casos de insucesso (54%), os projectos têm vindo a falhar por falta desse apoio.
Mas só em 13, dos 99 organismos com BI e abordados para o estudo, houve anteriores implementações sem êxito. Por isso, João Catarino Tavares coloca de parte da ideia de que a AP falha na implementação de sistemas de BI. Pelo contrário “a perspectiva é muito positiva”, diz num email enviado ao Computerworld.
O trabalho procura analisar quais são os impactos positivos que “a utilização dos sistemas de BI pode ter no processo de modernização e transformação digital da Administração Pública. O estudo é sustentado por um questionário dirigido a mil entidades do sector público administrativo e respondido por cerca de 300”. O trabalho foi desenvolvido por quadros da Administração Pública, sob coordenação de João Catarino Tavares. Para além de apontar caminhos, o documento identifica também as boas práticas e inclui a visão de algumas empresas com produtos e serviços nesta área.
Os desafios à implementação de programas e iniciativas e Business Intelligence na Administração Pública são semelhantes a quaisquer outros projectos de TIC: têm ver com a organização, pessoas, tecnologia e regulatórios.
Os desafios organizacionais são tanto maiores quanto menor é o nível de maturidade das organizações. Esta falta de maturidade está relacionada com aspectos culturais que incluem falta de inovação e o perpetuar do modelo de funcionamento estabelecido.
Este ambiente leva à criação de silos de informação que impedem trabalhar de forma colaborativa, assente muitas vezes em argumentos como a legislação, quando “basta ter uma interpretação menos radical para se pode ultrapassar algumas barreiras”, lê-se no estudo. Os silos obrigam ao recurso a processos formais, muitas vezes manuais, obrigando deste modo “a mesma informação a percorrer vários departamentos originando uma burocracia inútil”.
Esta barreira pode ser ultrapassada com a “consolidação da informação dos vários departamentos”.
“Enquanto o foco das organizações estiver apenas no “executar” existe pouca disponibilidade para avaliar e medir”.
Também os indicadores de gestão devem ser “obtidos e uma forma automática, porque só desta forma se consegue a verdade única da informação”. O envolvimento dos gestores de topo permite ultrapassar mais facilmente as barreiras dos silos, para além, naturalmente, do “peso institucional”.
O estudo assinala que “a falta de uma cultura de transparência dificulta a implementação de projectos de BI”, algo que é agora reforçado com o Regulamento Geral de Protecção de Dados que clarifica que a propriedade dos dados é os seus próprios titulares e não dos departamentos. Nesta matéria – desafios organizacionais –, o estudo conclui que “enquanto o foco das organizações estiver apenas no “executar” existe pouca disponibilidade para avaliar e medir”.
As pessoas são o maior motor de uma organização, moldam processos, escolhem tecnologias e criam culturas. Os decisores, “especialmente na AP, têm que ir mais além das funções que lhes são atribuídas”, sendo necessário “convencer os demais colaboradores (e as chefias sobre as vantagens de novos sistemas”.
Embora os projectos de BI tenham origem, por natureza, em áreas técnicas, “é necessário também envolver profundamente as áreas e negócio”. Um envolvimento que tem de ser visto como “parceria e não como uma obrigação apenas para validar requisitos”.
A AP depara-se ainda com restrições à contratação, o que se torna um “grande constrangimento”, pois é necessário encontrar pessoas com competências técnicas e organizacionais, que muitas vezes não existem nas organizações e que não pode ser captadas fora. A AP depara-se ainda com as dificuldades gerais do sector das TI.
Ainda que tenha hipótese de contratar, as competências técnicas são “muito procuradas no sector privado”. Deste modo é necessário recorrer à aquisição de serviços especializados.
Paralelamente, ainda persiste o mito de que o BI é apenas uma ferramenta e não “uma solução ou apoio à gestão”. Apesar de ser o factor menos importante nos desafios à implementação de projectos de BI, a escolha da tecnologia deve ser cuidadosa.
“A maior ou menor facilidade de desenvolvimento dos indicadores é um factor a ter em conta bem como um tempo de aprendizagem curto”, pelo que, neste aspecto, “as ferramentas mais gráficas” deverão ser a opção. O estudo recomenda ainda “realizar uma prova de conceito para verificar a adequabilidade do software às funcionalidades exigidas”, e o recurso a “novas formas de disponibilização de software na cloud” ou aos serviços partilhados da AP, como os disponibilizados pela eSPap.
Apenas metade [dos organismos da AP] têm projectos previstos para a adequação dos sistemas de informação ao RGPD e só 15% têm a figura do encarregado de protecção de dados (DPO).
O desafio regulatório mais premente é o RGPD e a conformidade do tratamento de dados pessoais. A “anonimização e pseudonimização” e também a encriptação dos dados são aspectos a ter em conta, especialmente no BI self-service, em que “muitas vezes os indicadores são obtidos directamente dos sistemas e informação sem passarem pelos processos tradicionais de transformação dos dados.
O questionário revela que “a maioria dos organismos da AP” está sensibilizados para este tema. No entanto, apenas metade tem projectos previstos para a adequação dos sistemas de informação ao RGPD e só 15% têm a figura do encarregado de protecção de dados (Data Protection Officer – DPO).
Boas práticas também existem
O estudo conseguiu identificar várias soluções que podem ser consideradas boas práticas e servir de referência para outros organismos.
Dicionário de Dados (DD) da Administração Tributária e Aduaneira. O DD tem como objetivo a definição de um conjunto de regras para o circuito de informação dos modelos de dados e regras de nomenclatura e standards de dados. Abrange os modelos de dados das aplicações geridas pela AT e cujas bases de dados devam ser geridas centralmente, independentemente de serem produzidas pelas áreas de sistemas de informação ou por outras unidades orgânicas, nomeadamente as que assegurem o desenvolvimento e manutenção de aplicações.
Business Intelligence do Orçamento (Biorc) da Direcção Geral do Orçamento. O sistema Biorc recebe informação de todos os sistemas orçamentais relativa ao orçamento e execução orçamental. Estes sistemas integram os dados da despesa, da receita, de serviços integrados ou de serviços e fundos autónomos. Tratam-se de dados de todas as Administrações Públicas, Central, Regional, Local e Segurança Social. Toda esta informação, relativa a milhares de entidades, é integrada num Data Warehouse.
Projecto SIGNAL do Instituto de Informática. Este projecto teve como objetivo a criação de uma plataforma de agregação e correlação massiva de dados com recurso a tecnologias Big Data tendo em vista a categorização do risco e prevenção da fraude. A implementação desta plataforma capacitou o Instituto de Informática de tirar partido de todo o tipo de dados (incluindo os não estruturados), capturando-os e processando-os em tempo útil. Possibilitou a categorização do risco para prevenção de fenómenos de fraude ou erro. Foi desenvolvido sob tecnologia open source, pelo que não teve custos de aquisição de software.
Portal de transparência municipal da DGAL e da AMA. Este portal é uma iniciativa do Governo para o aumento da transparência da gestão da administração pública local aos cidadãos e resulta de uma parceria protocolada entre a Direcção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) e a Agência para a Modernização Administrativa (AMA). A solução adoptou tecnologias open source, para processamento e apresentação dos indicadores o que constituiu uma mais-valia. A apresentação de informação através de formatos tipo dashboards e a interacção entre componentes permite uma elevada flexibilidade no manuseamento e integração do BI.
Área da Transparência do Ministério da Saúde. Este projecto é outro exemplo de boas práticas ao nível da transparência e é uma iniciativa open data levada a cabo pelo Ministério da Saúde, numa lógica de disponibilizar e tornar plenamente acessível o vasto conjunto de dados que estão subjacentes às operações e transacções que decorrem no âmbito das actividades do Sistema Nacional de Saúde (SNS).
*Artigo actualizado e corrigido sobre o grau de sucesso da implementação de BI na Administração Pública: no primeiro parágrafo, a percentagem 54% é referente aos número de casos de insucesso (13) e não ao total de projectos, como se escreveu no texto. Foi acrescentado um novo parágrafo, o segundo, para reforçar este facto e a ideia que as implantação de BI na AP é, em geral, bem sucedida.