Novo CCP mantém ilegalidade do Estado “fashion”

O renovado Código dos Contratos Públicos revalida a proibição de os procedimentos de compras do Estado exigirem bens de determinada marca, uma regra que continua a ter particular pertinência, demonstra Carlos Costa, director de marketing da Quidgest.

Carlos Costa, director de marketing e desenvolvimento de negócio na Quidgest

Todos nós somos livres na vida privada de escolher um produto de uma dada marca mesmo se custar o dobro ou mais do que outra marca. O Estado não pode! É ilegal.

E, mesmo que o fosse, seria ilegítimo, pois a livre concorrência pode ser posta em causa com esse tipo de decisão. De acordo com o nº 8 do artigo 49 do NOVO Código dos Contratos Públicos (CCP)* não podem ser mencionadas marcas num processo de aprovisionamento público, a não ser com a referência “ou equivalente” à marca de algum produto existente (nº 9 do mesmo artigo), quando se lança, por exemplo, um procedimento para serviços de manutenção.

São pois ilegais, todos os procedimentos e concursos que mencionam uma dada marca como obrigatória ou até preferencial. Mesmo com o argumento de que há várias empresas a revender essa marca, não se pode impedir ninguém de concorrer com uma marca alternativa.

Algumas vezes um novo produto consegue mesmo ser adquirido pelo valor de manutenção do velho. Passou-se isso, por exemplo, com as impressoras há uns anos.

73% dos procedimentos não cumpriram

Mas nem todos cumprem. A Inspeção-Geral de Finanças, no seu Relatório n.º 2016/2071 de 2017, sobre a auditoria aos ajustes diretos realizados por entidades da Administração Central do Estado, refere que 73% dos procedimentos analisados “não cumpriram na íntegra as exigências de transparência, legalidade e regularidade das despesas pública”.

Uma das desconformidades com maior relevância detetadas foi a “exigência de bens de determinada marca”. Nos últimos anos tenho colecionado umas dezenas de casos, que têm passado à margem da lei, relativos a um conhecido produto estrangeiro de software de gestão, com custos elevados para o Estado e, em suma, para todos nós.

E este procedimento, apesar de ilegal, é prática comum em institutos públicos, entidades reguladoras e de serviços partilhados, universidades, empresas públicas e até municípios. Estimo que devem ultrapassar os 100 milhões de euros os gastos, em cada ano, para importar licenças deste sistema que tem soluções equivalentes de origem nacional mais económicas.

Sempre que confrontados os decisores com pedidos de esclarecimentos, ou com erros e omissões, respondem, os que respondem, que não querem outra marca porque o custo de mudança é muito elevado. E assim se mantêm num registo de novo-riquismo, com elevados custos atuais e para o futuro, na sua instituição.

São ainda muito poucos os que tomam alguma iniciativa de abertura ao mercado, no sentido do bem público avançando com concursos transparentes ou, mais timidamente, por exemplo, com provas de conceito.
Um Estado “fashion” é muito caro e é imoral em períodos de crise económica e financeira. Mas, acima de tudo, é uma enorme ilegalidade.

Conforme referi num artigo anterior, esta atitude de privilegiar o bem privado em prejuízo do bem público tem um nome: corrupção. Eventualmente poderá ser apenas irresponsabilidade ou ignorância.

No espaço europeu, estamos muito mal cotados nesta matéria e há muito a fazer. Não apenas nos processos de aquisição mas também na perceção que os outros têm deles.
Fonte: Corruption Prevention (European Commission, Special Eurobarometer 374, Corruption Report, 2012)

O novo decreto-lei 111-B/2017

O recente decreto-lei DL 111-B/2017 de 31 de Agosto vem trazer novos procedimentos ao CCP. Mais de 50% do anterior Código foi alterado, nomeadamente quanto ao cálculo do preço-base, ao modelo de avaliação das propostas, contratação em lotes e com o novo regime do pagamento de caução. Tudo sempre no sentido da maior transparência.

Os principais desafios vão no sentido de aumentar a concorrência e diminuir a adoção do ajuste direto com fundamento em critérios materiais, maior contratação eletrónica em procedimentos por convite e menor adoção do critério do “menor preço”. Mas, a proibição de mencionar marcas, mantém-se. O antigo nº 12 do artigo 49 é agora o nº 8 do mesmo artigo.

Oportunidade de melhoria

Espero com este tipo de informação possamos elevar a consciência do decisor público, chamar a atenção aos bons gabinetes de advocacia para uma boa oportunidade de negócio e, sobretudo, esclarecer a opinião pública que é possível vivermos num país mais bem gerido e próspero.
Uma palavra final de apreço e todos os gestores públicos que, conscientes das dificuldades orçamentais e, determinados a criar maior valor para a região onde vivem, apostam no software e tecnologias locais, sem perder o bom senso de abertura às novidades tecnológicas que ainda não têm por perto.
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(*) Nº 8 do artigo 49 do NOVO Código dos Contratos Públicos (CCP):
A menos que o objeto do contrato o justifique, as especificações técnicas não podem fazer referência a determinado fabrico ou proveniência, a um procedimento específico que caracterize os produtos ou serviços prestados por determinado fornecedor, ou a marcas comerciais, patentes, tipos, origens ou modos de produção determinados que tenham por efeito favorecer ou eliminar determinadas empresas ou produtos.




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