Em Portugal, o desafio é chegar melhor às PME com departamentos de TI e, no Estado, haver uma melhor gestão da despesa global.
A fusão com a EMC ainda não conta mas só pode ajudar, dá a entender o director-geral da Dell, Gonçalo Ferreira. O executivo assumiu a direcção da Dell Portugal em Agosto de 2014, mas só este ano a mudança foi anunciada oficialmente.
A sua equipa ambiciona o mesmo objectivo de reforçar o canal e a operação portuguesa para atingir clientes aos quais ainda não chega, embora com obra feita. Os parceiros de revenda já representam 75% do negócio da organização no mercado português e enquanto à escala mundial o desafio esteja em convencer as grandes empresas, em Portugal o défice está no segmento sobretudo das PMEs.
O executivo nota o trabalho de casa feito na eSPAP, mas considera haver espaço para maiores “eficiências” e acaba por manifestar preocupação pela venda de empresas portuguesas a grupos estrangeiros, devido aos riscos de os centros de decisão de compra poderem sair de Portugal.
Computerworld ‒ Quando assumiu a Dell, quais eram os seus objectivos? O que pretende mudar?
Gonçalo Ferreira ‒ O objectivo era investir na oferta empresarial e manter a quota em todas as outras áreas como as de dispositivos cliente e desenvolver a área de software da Dell em Portugal, através dos parceiros e da organização. No fundo reforçar a estratégia de “go to market”.
Em 2015, a operação colocou em prática um plano de reforço das suas áreas de produto na área de dispositivos cliente, de servidores x86 e armazenamento para crescer.
CW ‒ Quanto deverá crescer a empresa este ano?
GF ‒ Contamos crescer mais de 10%. E conseguimos atingir os objectivos de reforço de posição no mercado e na rede de parceiros de distribuidores.
CW ‒ Em 2014, já tinham crescido quanto?
GF ‒ Mais de 30%. Nesse ano todas as empresas de TI cresceram muito porque 2013 foi um período difícil e depois houve uma fase de recuperação.
CW ‒ O volume de negócios rondará os 60 milhões de euros?
GF ‒ Não posso revelar mais em concreto, mas estaremos mais próximos desse valor este ano, que já atingimos noutras épocas.
CW ‒ E a vossa estratégia tem agora uma estrutura mais segmentada?
GF ‒ Há sete anos estava centrada, em termos mundiais, no desenvolvimento do canal e hoje, em Portugal, já posso dizer com orgulho que o temos montado.
Já apresentamos uma primeira linha de parceiros formados, com objectivos definidos. Na distribuição também já temos trabalho feito.
Já vendíamos muito através de canal, mas este não estava estruturado, com certificação, entre outros aspectos. Apesar das contratações queremos reforçar o canal.
Não vamos contratar 500 pessoas para chegar a todo o mercado. Queremos mais parceiros “Preferred” e “Premier” reforçados, com mais pessoas [competentes em tecnologia Dell].
CW ‒ Quantos distribuidores têm?
GF ‒ Temos cinco mas vamos reduzir para três, a partir de 2016. O nosso mercado não tem estrutura para mais. Vamos estudar se dois ficam como sub-distribuidores.
A empresa tem agora outro projecto, o Dell 2020, que passa por termos presença em todo o mercado e não só em algumas áreas. Por isso tem feito contratações maciças de trabalhadores na Europa. Em Portugal, crescemos 10% na estrutura directa.
CW ‒ Para 130 pessoas?
GF ‒ Sim, contando com a área de serviços. Temos muitas pessoas em posições de outsourcing, e outras a usarem os nosso emblemas e não são da estrutura “directa”.
Pediram-nos para intensificar a contratação dos novos quadros e, até final de Dezembro, vão ser integrados na estrutura. E fala-se de uma segunda vaga.
CW ‒ E que mais envolve essa estratégia?
GF ‒ Em Portugal, somos o segundo maior fornecedor em servidores x86 há muito anos, mas existe grande hiato entre nós e o líder. E por isso concluímos que não estamos a chegar a todos os mercados como devíamos.
Estamos a contratar recursos e a pensar como vamos lá chegar através dos nossos parceiros. Queremos “tocar” em todo mercado e grande parte do esforço de 2016 vai passar por aí.
CW ‒ Onde é que não conseguem chegar ainda? No segmento mais alto?
GF ‒ Não, aí já estamos há muito tempo. Falta-nos é o resto. Como não tínhamos canal, era difícil estar fora das duas grandes cidades. E agora já estamos mais. Mas não nos interessa ir para o consumo, traz-nos custos acima do que queremos.
Além disso, Portugal tem 250 mil empresas – metade são empresas onde o departamento de TI não tem presença e não faz sentido a Dell investir em clientes que assim não existem para nós.
Portanto, haverá um universo de pelo menos 100 mil empresas [potenciais clientes] e estamos a “tocar” só em 10 mil. Há 90 mil ainda para tocarmos. É um mercado sem fim para abordar juntamente com o canal.
CW ‒ São sobretudo PMEs?
GF ‒ Há de tudo um pouco, incluindo empresas grandes. Consideramos PMEs, empresas com 300-400 pessoas e a área tecnológica, que para nós é importante. Mas também não estamos a chegar a organizações com dez ou menos trabalhadores.
Nas grandes empresas estamos presentes, embora não como principal fornecedor e estamos agora a mudar, com as aquisições e oferta que fomos acumulando e já conseguimos fornecer.
CW ‒ Quantos parceiros já têm?
GF ‒ De primeira linha, temos 16 e ainda cinco “premier partners”. Depois uma terceira e segunda camada com três mil registados, que trabalham com os distribuidores no nosso site. Perto de 100 trabalham de forma mais próxima com a Dell.
CW ‒ Quantos para o negócio do armazenamento?
GF ‒ Já não trabalhamos com essa segmentação. Mas confiamos para isso nos parceiros de primeira linha e “Premier”, porque exige mais formação e recursos.
Hoje, já temos oferta para necessidades mais modestas. Muitos não são exclusivos e não basta anunciá-los para os convencer.
Os negócios são as pessoas e isso constrói-se com muitos anos. Mas as relações pessoais já permitiram termos um canal, e depois vamos conquistando. Demorou quase dez anos.
CW ‒ Quantos são comuns à EMC?
GF ‒ Na nossa rede de “Premier”, embora quase todos tenham competências em EMC, nenhum deles vende. Dão suporte.
Temos um “Preferred partner” que é parceiro também da EMC. Mas é coincidência porque tinham interesse numa oferta nossa e trabalham noutras áreas
A oferta da Dell é muito diferente daquela da EMC. E depois há o universo dos três mil revendedores, que não controlamos.
CW ‒ Mas há alguma sobreposição na oferta Equalogic?
GF ‒ Não, o produto que eu conheço da EMC mais próximo da oferta Equalogic será talvez o Esilon, mas implica abordagens diferentes.
CW ‒ Confirma-se que a fusão com a EMC é bastante complementar, pelo menos para o mercado português?
GF ‒ Para já, não consigo responder e a fusão não existe. Temos um período de espera de 60 dias [após a declaração de intenção de compra].
CW ‒ Quando poderão surgir novidades, também para Portugal?
GF ‒ Talvez no final do ano.
CW ‒ Na gestão do canal, há alguma alteração até à fusão?
GF ‒ As instruções que temos são para encarar a EMC como concorrente, até instruções em contrário.
CW ‒ Que impacto tem tido a adopção de cloud computing nas vossas vendas?
GF ‒ Tem impulsionado muito as nossas vendas. A Dell Portugal investiu muito na área, fomos a segunda operação a arrancar com a cloud.
Temos centros de dados a funcionar em Lisboa e no Porto, oficialmente da Dell, gerido pelo parceiro Oni, com serviços contratualizados através dos nossos parceiros segundo as nossas regras da Dell. Temos uma grande base de clientes da Flexicloud em serviços de SaaS, de espaço, alojamento, suporte de TI, entre outros.
GF ‒ Na ordem das centenas. Há clientes que representam 500 euros por mês e, outros, milhares.
CW ‒ Mas em percentagem de negócio já é importante?
GF ‒ Proporcionalmente, entregamos à Dell os melhores resultados em serviços do que ela obtém de mercados maiores. Não posso revelar em concreto, mas tem um peso interessante.
CW ‒ E qual é o da tecnologia de armazenamento?
GF ‒ Só posso dizer que tivemos no último trimestre a maior quota de mercado de terabytes instalados, com 21,3%, no segundo trimestre de 2015. [A HP teve a segunda maior quota, com 18,8%, e a EMC a terceira, com 15,1%, de acordo com a IDC].
Ajudou termos uma maior oferta, estruturada, que não existia, incluindo tecnologia de empresas adquiridas, como as de software. Quando a Dell adquiriu a Equallogic, passou a ter 60% do mercado assente em tecnologia iSCSI, por exemplo.
Esta voltou a estar “na moda” por permitir melhores soluções do que a fibra, para muitos clientes. Conseguimos acrescentar também mais motores, além dos discos, com as “appliances” e isso teve grande aceitação.
CW ‒ O negócio de cloud, incluindo de outros fornecedores, não vos retirou negócio?
GF ‒ Não, porque quanto mais clientes de cloud temos, mais precisamos de hardware para os suportar. E compensa.
CW ‒ A saída de centros de decisão de compra de Portugal – por exemplo, com a compra de empresas portuguesas -, não tem um impacto negativo no vosso negócio?
GF ‒ Em relação à PT, há quem fale nisso, mas a Dell continua a trabalhar da mesma forma. Não sentimos em geral uma quebra de consultas aos nossos produtos.
Nalgumas empresas, como na banca e energia, que foram vendidas, os centros de compra de TI mantêm-se em Portugal. São situações que precisam de muito apoio local.
Abrangidas por acordos mundiais com a Dell, existem cerca de 260 empresas e essas continuam a adquirir em Portugal.
Nas telecomunicações e seguradoras, sim, os centros saíram e perdeu-se o negócio. E não me deixa de preocupar que com a venda de algumas empresas portuguesas, como a TAP e o Novo Banco, aconteça o mesmo.
CW ‒ A Dell não foi afectada pela vaga de revisão de contratos de fornecimento na PT?
GF ‒ A PT sempre nos tratou bem. Muito do que se disse sobre isso, não sei se é tudo verdade. E a Dell, se calhar, até terá mais oportunidades hoje do que no passado. Pode representar mais negócio para nós, ao ser uma organização diferente, resultado da entrada de “sangue” novo. Mas também ainda é cedo para falar sobre o que vai representar a PT em negócio.
CW ‒ Se a “joint venture” VCE entre a Cisco e a EMC acabar com a unidade de redes da Dell, em Portugal, tem capacidade para suportar a tecnologia daquela iniciativa?
GF ‒ Nessa parceria, quem precisa da EMC para complementar a oferta é a Cisco, e se a VCE acabar quem tem de procurar outro parceiro é a Cisco. A EMC, na Dell, tem acesso a tecnologia que não tem com a Cisco.
CW ‒ Quais são os desafios da Dell no próximo ano?
GF ‒ A Dell ganha mais quota de mercado. A parte da VMware é muito interessante
CW ‒ O que precisa de mudar na Dell?
GF ‒ A Dell internacional pede-me para arranjar forma de chegar a todo o mercado.
CW ‒ A fusão com a EMC deve ajudar nisso?
GF ‒ Acho que sim, mas não sei como vai ser a junção das empresas. Ainda não estamos em muitos mercados onde devíamos estar.
Há empresas grandes em Portugal em que, mesmo tendo entrado lá há algum tempo, não se consegue chegar a todos os lados. Mas sim, nas empresas médias e grandes, precisamos de chegar como “player” importante para elas.
Existem muitas empresas que não sabem com quem podem falar [para comprar tecnologia Dell], embora conheçam a marca. Não conhecem o nosso canal e, como são clientes de concorrentes nossos, não sentem necessidade de outros fornecedores, por não conhecerem a nossa mensagem – e esse é o grande desafio.
CW ‒ Há algum sector económico que seja prioritário no próximo ano?
GF ‒ Temos investido muito na Administração Pública (AP) porque tínhamos pouca presença e estamos a apostar no sector da saúde. E é para continuar e intensificar no âmbito do Projecto 2020.
CW ‒ As compras da AP em TIC merecem algum comentário?
GF‒ O Estado construiu um processo muito melhor para os fornecedores e contribuintes, nos últimos seis ou sete anos. Mas ainda vejo muitas áreas onde podia fazer melhor.
CW ‒ O acordo-quadro para a compra de hardware em preparação não o satisfaz?
GF ‒ No actual processo de definição, a eSPAP colocou muito bem uma série de dúvidas a alguns fornecedores, porque havia coisas mal explicadas, [como] a maneira como certos concorrentes se adaptavam aos requisitos dos concursos.
Nota-se que há trabalho de casa feito no Estado e isso é muito positivo. Nuns casos será bom para a Dell, noutros não. Mas como contribuinte, gosto.
CW ‒ Apesar de ser mais difícil fazer negócio?
GF ‒ Não é mais difícil porque acabamos por fazer mais. Está é mais organizado, embora ainda haja muita ineficiência.
Era melhor as áreas [de competências] dessas organizações definirem o que precisam e depois gastarem. Era mais claro para nós percebermos as necessidades. E, se calhar, gastariam menos e compravam mais, se a despesa fosse feita de forma global.