A OutSystems pode enfrentar resistência das equipas de TI por verem a sua oferta como ameaça ao emprego, diz Michael Azoff, analista da Ovum.
A OutSystems já terá resolvido um curioso problema de credibilidade da sua solução usada para Application Lifecycle Management (ALM): o facto de integrar múltiplas ferramentas numa só plataforma gerou provavelmente tanta surpresa como desconfiança, estima Michael Azoff, analista da Ovum.
Actualmente, a empresa portuguesa enfrenta outros desafios. Precisa de convencer os departamentos de TI sobre os benefícios que a sua oferta pode trazer, no suporte ao desenvolvimento de aplicações e redução de volume de trabalho.
No horizonte, há uma enorme oportunidade que o fabricante pode não aproveitar, por estar focado nas aplicações mais nucleares das empresas e que tem a ver com a maior utilização de sistemas de software incorporados em múltiplas máquinas, como os automóveis, segundo Azoff.
Computerworld ‒ Quais são as principais tendências do mercado de Application Lifecycle Management?
Michael Azoff ‒ As promessas dos produtos de ALM não se concretizaram. O software prometia uma solução capaz de abranger todo o ciclo de vida, com todas as pequenas partes integradas, de forma fluida.
Quando se tivesse um requisito, haveria um cenário de teste para ele, com o qual era possível ver a execução, os resultados, entre outros aspectos, e sabia-se da implantação. Essa transparência era uma promessa mas só é possível com uma integração muito apertada. E, melhor ainda, é uma solução holística.
CW ‒ Mas as empresas começaram a empregar muitas ferramentas…
MA ‒ Primeiro o mercado não estava preparado para o ALM. Os fabricantes desenvolveram e adquiriram ferramentas e tentaram integrá-las. Foram parcialmente bem sucedidos.
O outro problema eram os clientes. Não pensaram nas aplicações e em como adoptá-las. Tinham um ambiente heterogéneo e depois a dor de cabeça de colocar uma ferramenta a falar com outra. Isto levou a uma grande confusão.
Muitas empresas têm uma ferramenta, mais uma série de instrumentos open source, soluções de qualidade e penetraram nas gamas mais baixas – até as grandes empresas. Mas a mistura é tal que criou muitos problemas.
Depois, os parceiros também usam ferramentas diferentes. De tal modo que muitas empresas estão a repensar o modelo e querem uma só solução para toda a organização e encorajam os parceiros a terem a mesma. Não sei porquê, mas as pessoas não acreditaram no sonho do ALM.
Um fabricante tinha uma só solução, mas não conseguiam vender porque as pessoas não acreditavam que conseguia fazer tudo.
CW ‒ Talvez por medo de ficarem aprisionados tecnologicamente?
MA ‒ Não, o fornecedor até usava muito open source na base. Tiveram da separar as partes e agora o mercado está a mudar, privilegiando a solução unificada. Essa é a grande mudança.
CW ‒ Então quais são os grandes desafios inerentes?
MA ‒ Estes sistemas podem ser integrados com algumas ferramentas mais populares, como as da GitHub, a Visual Studio, a Eclipse. Além disso, fazem a parte da gestão, que é chave: tem a ver com o requisito da transparência e a possibilidade de acompanhamento.
A dificuldade está em ter a mudança dentro do negócio em modo “rip and replace” [desinstalação e substituição sem constrangimentos]. Trabalho há anos como analista e ninguém faz isso, preferindo o “best of breed” [abordagem ecléctica].
Mas isso não funciona em ALM. O “rip and replace”, com a adopção de uma solução unificada, para as empresas grandes, torna-lhes a vida muito mais fácil e acelera o desenvolvimento. Estamos a ver isso acontecer.
CW ‒ Tirar tudo o que se tem e consolidar numa solução?
MA ‒ Sim, para obterem o benefício de ALM.
CW ‒ Mas quais são as tecnologias de ALM mais importantes como factores de sucesso?
MA ‒ São integralmente baseadas na Internet. Proporcionam suporte ao acesso por dispositivos de mobilidade. Incluem tecnologias de gestão de desempenho. A OutSystems introduziu-as há algum tempo.
Para mim, o ciclo engloba a vida em produção e, nesta fase, isso é necessário porque são os olhos e ouvidos para se saber o que está a acontecer. E é bom ver uma ferramenta a oferecer gestão de desempenho de aplicações ou Application Performance Management (APM). Sempre defendi que a ALM devia incluir a APM.
Falei com a Microsoft há pouco tempo e ela incorporou a APM no Visual Studio, embora não a denomine assim. Chamam-lhe qualquer coisa como Analytics Insights… mas é APM para programadores.
CW ‒ Quais são os desafios da OutSystems neste mercado?
MA ‒ Ah, são enormes! Não existem muitas ferramentas como as deles e portanto enfrentam um desafio de credibilidade.
Na área da indústria fabril e dos sistemas embutidos, há muitos fornecedores e isso dá credibilidade. Quando só existe uma ou duas, os clientes ficam inseguros, não sabem se é mesmo novidade. Portanto, tiveram uma barreira educacional para ultrapassar e isso demorou anos a resolver e foi difícil.
CW ‒ Mas já foi ultrapassado?
MA ‒ Nos últimos dois anos, penso que sim.
CW ‒ Que outros desafios tem a empresa?
MA ‒ Outra coisa tem a ver com as capacidades de desenvolvimento do utilizador final. Acho-as positivas, mas é preciso compreender que muitos dos departamentos tradicionais de TI vão vê-las como ameaças ao emprego.
CW ‒ Como outras coisas como as “TI sombra”?
MA ‒ Sim e não. As TI sombra foram uma maior preocupação para os executivos, porque não sabiam o que fazer. Para os departamentos de TI, terá mesmo sido uma benção, por lhes tirar trabalho de cima das costas.
CW ‒ No caso da OutSystems, qual é a situação?
MA ‒ Se os departamentos de TI perceberem como as capacidades de desenvolvimento, para o utilizador final, suportam as linhas de negócio, vão reagir bem. Mas introduzindo-se as ferramentas nos departamentos tradicionais – situação prevista por algumas empresas – então passará a ser um desafio. Porque os técnicos vão preocupar-se com a possibilidade de perderem o emprego.
No entanto, conheço um director de TI que gostou de introduzir as ferramentas no núcleo das TI. Descobriu que nalguns projectos permitia entregar as aplicações muito mais rapidamente. E quando se tem as linhas de negócio ansiosas, isso dá jeito.
CW – E não constitui mais um sistema para monitorizar?
MA ‒ Bom, mas permitiu-lhe entregar aplicações mais rapidamente. Tem de ser para certas categorias de aplicações.
Os receios têm sido um desafio para a OutSystems e empresas semelhantes. Têm de passar a mensagem do ALM.
A Salesforce foi bem sucedida nisso, ao criar um sistema que permite às linhas de negócio conceber aplicações.
CW ‒ E que outras desafios podem existir?
MA ‒ Referi isto ao Paulo Rosado [CEO da OutSystems]: o enfoque da OutSystems tem sido nas TI empresariais de grandes empresas. E eu tenho visto o mercado dos sistemas incorporados [“embedded systems”] com grande potencial de crescimento, na indústria fabril, devido à quantidade de software introduzido nos produtos estar a crescer de forma exponencial.
Por exemplo, nos carros de gama alta há 100 milhões de linhas de código. É muito e exige ALM para gerir esse software.
CW ‒ E a OutSystems não está preparada?
MA ‒ O enfoque deles tem estado nas TI empresariais e é muito difícil fazer as duas coisas bem, por isso compreendo a aposta. Mas se a OutSystems se quiser expandir, esta é a área. É uma oportunidade.
CW ‒ Paulo Rosado diz que a vantagem competitiva da OutSystems é enorme. É mesmo assim?
MA ‒ Bom, tem uma solução muito boa. Ficou entre as plataformas líderes de desenvolvimento de aplicações móveis e merece.
Vamos fazer um comparativo para ALM e outro para DevOps e Agile Project Managment nos próximos seis meses. E acho que vai sair-se bem.
CW ‒ A vantagem competitiva de que a OutSystems fala é real?
MA ‒ Um facto particularmente interessante é ela estar em todas estas categorias. Tome-se o exemplo da IBM. Está em todas as áreas porque têm tudo.
A OutSystems não só é uma empresa pequena, como oferece uma só “caixa”.
A IBM tem muitas. E o verdadeiro grande desafio para os grandes fornecedores é esse, haver concorrentes no mercado com tudo integrado numa “caixa”.
Mas garanto que a IBM não ficará parada. Quando se apodera de um mercado, não querem ficar para trás.
Penso que a OutSystems vai ter concorrência, mas isso é bom para os utilizadores.
CW ‒ Existe a possibilidade de a OutSystems ser comprada?
MA ‒ Claro, há sempre essa possibilidade.
CW ‒ Que estratégia recomenda às empresas com necessidades de ALM?
MA ‒ Têm de pensar nos custos, mas o TCO também envolve a manutenção. É neste aspecto que estes sistemas têm uma vantagem útil.
Procurar manter uma aplicação com todo o conhecimento incorporado no modelo é importante para enfrentar a rotatividade de recursos humanos e poder fazer alterações facilmente. Isso reduz os custos, no período de vida maior da aplicação, aquele em que está em produção.
CW ‒ É um assunto de custo e não só de inovação.
MA ‒ Sim, vemos a adopção de Agile e DevOps como sendo um passo de melhoria do velho processo em “cascata”. Estas ferramentas são muito ágeis e estão muito em linha com este estilo de funcionamento, que também é positivo.
CW ‒ Como acha que vão evoluir as arquitecturas como a RESTful, no ambiente de micro-serviços de que fala?
MA ‒ Ah, se conseguisse responder (risos). Questionam-nos muito sobre isso e o sector, com as pessoas que fazem micro-serviços, estão a passar por uma curva de aprendizagem neste momento.
Para algumas aplicações, é a solução perfeita, mas não para todas. É preciso perceber os prós e contras. Há empresas como a Docker a cavalgar a onda dos micro-serviços.
É muito entusiasmante para os programadores e impressiona a facilidade como colocam uma aplicação a funcionar. Acho que vai ser uma vaga enorme. Mas se adoptarem só porque é a grande onda, vão falhar e perder dinheiro.
CW ‒ Os micro-serviços são bons para quê?
MA ‒ Primeiro, é preciso ter uma metodologia Agile e DevOps no departamento de TI. É onde faz sentido. E se a empresa tiver um sistema enorme, pode não ser adequado. Pode tornar-se ingovernável.
CW ‒ Devido às dependências entre aplicações?
MA ‒ Sim, mas também à duplicação e à complexidade de ter demasiados serviços. Os micro-serviços são, por definição, micro e têm apenas uma função.
MA ‒ Num sistema bancário, um micro-serviço desempenhará a função de adicionar dinheiro, e outro deverá retirar. Mas nos bancos é preciso ter redundância na contabilidade e transacções conectadas.
Por isso, deverá ser mais útil ter macro-serviços. Depende do que se está a desenvolver e é preciso pensar com cuidado sobre a arquitectura do sistema. Ter em conta o que faz sentido para o negócio.
CW ‒ E a RESTful constitui a base para tudo isso?
MA ‒ Sim, é fundamental, está na raíz.
CW ‒ Que outras evoluções tecnológicas prevê?
MA ‒ Os “invólucros” virtuais como os da Docker vão ter concorrência, por estarem a ter tanta adopção, por exemplo. E a evolução da Internet das Coisas (IoT) deverá encaixar-se muito bem com os micro-serviços e com a necessidade de ser ágil e adoptar DevOps e fazer mudanças com facilidade.
Ao fazerem-se mudanças, estar-se-á a executá-las num produto e já não nos sistemas de informação.
CW ‒ A IoT vai alimentar a onda da arquitectura de micro-serviços?
MA ‒ Estou a ver isso, sim.
CW ‒ E plataformas como as da OutSystems?
MA ‒ Ainda não falei com a OutSystems sobre isso e seria uma conversa interessante. Mas um dos aspectos da IoT é envolver os produtos e equipamentos e a empresa tem estado muito centrada no sistema empresarial.
Eu recomendaria que se movessem para o espaço dos produtos, por constituir uma grande oportunidade.