“Mais importante do que o ‘paperless’ é o ’touchless’”

Com a frase, o CEO da Latourrette, Carlos Latourrette, define a sua visão para a evolução tecnológica do segmento da gestão documental. A consultora quer aproveitar bem a relação com a Visioneer.

Carlos Latourrette, CEO da Latourrette Consulting

Carlos Latourrette, CEO da Latourrette Consulting

A empresa de que é fundador acaba de ser premiada pela Visioneer e Carlos Latourrette revela ao Computerworld a sua visão para a evolução do negócio da consultora. Mantendo o enfoque no valor dos serviços, da inovação e formação, a startup com 400 mil euros de facturação no ano passado adicionou um elemento de hardware ‒ um digitalizador fabricado pela Visioneer ‒ ao seu software, mantido em cloud computing.

No todo, constituem a oferta Bizdocs, destinada ao mercado mundial de forma faseada, aproveitando a rede daquele fabricante de equipamento remarcado pela Xerox. Com base nessa oferta, a Latourrette não se furta a grandes ambições e está a projectar a sua internacionalização com uma candidatura ao programa Portugal 2020.

Na visão tecnológica de Latourrette está uma ideia chave, além da importância da formação: a possibilidade de um sistema de gestão documental funcionar com o mínimo de intervenção humana é mais importante do que eliminar o papel dos escritórios.

Computerworld ‒ Quais são, neste momento, as prioridades na vossa estratégia?

Carlos Latourrette ‒ O Bizdocs é o pilar do negócio de produto. Mas a nossa actividade principal até agora tem sido a consultoria e implantações em grandes empresas, como a Sonae. Portanto, uma das nossas apostas é crescer no segmento das grandes empresas e ampliar a presença com mais soluções e oferta.

Outra é a internacionalização. A maioria das parcerias que temos são internacionais. Viajamos muito para os EUA e Brasil para falar com potenciais clientes.

Temos projectos no Brasil. Queremos criar condições para, até ao final de 2015, o mais tardar em 2016, começar a fazer projectos em São Francisco (EUA).

E queremos aproveitar as relações que temos para desenvolver projectos em África: estamos a iniciar um projecto muito grande em Angola.

Como estamos focados numa área de competência muito específica, quase de nicho, precisamos de estar expostos sem ser só no mercado português. Se conseguirmos estar em quatro ou cinco empresas grandes, e fazer o que fizemos na Sonae, era excelente.

Mas não há muito mais espaço do que isto. Porque depois também há a Accenture, a Novabase e outras… E para mantermos as nossas competências num grau elevado, temos de estar sempre a ser desafiados em projectos inovadores. A internacionalização é o garante de podermos investir em pessoas e ter projectos.

CW ‒ E têm o Bizdocs.

CL ‒ Depois temos o software, cuja vantagem muito especial face ao serviço, é podermos vendê-lo várias vezes ao mesmo tempo. O Bizdocs serve para atrair as pessoas que preferem pagar por algo material. Elas gostam muito de serviços na cloud, mas não gostam de os pagar. A maioria usa versões gratuitas.

O Bizdocs também tem uma versão assim, mas com um ponto a partir do qual é de venda. Estamos a procurar criar envolvimento e, depois de os clientes começarem a usar, temos muitos serviços para fazer o “upselling”.

A solução está preparada para colocarmos os clientes de uma empresa de contabilidade a enviarem os documentos logo num formato digital. Estamos a eliminar 90% do trabalho de um contabilista e a permitir-lhe produzir informação de gestão do mesmo dia.

CW ‒ Que tipo de integração asseguram entre o Bizdocs e sistemas de BI, por exemplo?

CL ‒ Para tudo o que a plataforma faz, ela gera um [ficheiro] XML normalizado [por factura]. E com este tipo de abordagem qualquer aplicação de BI ou ERP usa os ficheiros. Temos ainda camadas de serviços de integração [Web Services].

CW ‒ Quanto vale o negócio de serviços de consultoria na vossa actividade?

CL ‒ Neste momento é 100%, porque o Bizdocs está a dar os primeiros passos.

CW ‒ Em 2014, a empresa facturou quanto?

CL ‒ Cerca de 400 mil euros, tendo crescido quase 100%.

Somos uma empresa de 10 pessoas. Em 2012 éramos duas: eu e o João Assunção, sócio da empresa. O nosso orçamento comercial para 2015 é de um milhão de euros.

CW ‒ Esperam crescer assim tanto? Prevêem contratar mais pessoas?Carlos Latourrette_CEO_2r

CL ‒ Sim. A nossa equipa está sempre deficitária e estamos sempre em processo de contratação e formação, sendo esta muito importante e uma ajuda para termos parcerias muito fortes.

Os fabricantes e empresas como a Kofax, Microsoft e Accenture contam connosco para os representarmos.

Fugimos do erro da maior parte das empresas, quando contratam uma pessoa [mal preparada] para inserir num projecto. Temos planos planos intensivos de dois meses de formação e os contratados acompanham primeiro outros consultores

CW ‒ Quanto esperam contratar este ano?

CL ‒ Para executar o orçamento de 2015, precisamos de 15 pessoas.

CW ‒ Em volume de negócios, a internacionalização já tem muita relevância?

CL ‒ Não. Mas nós já exportamos, somos contratados nos EUA para projectos no Brasil, em Inglaterra, para projectos em Angola. E estamos a iniciar uma candidatura ao programa Portugal 2020 para um processo de internacionalização.

Os próximos dois anos vão ser intensos. Até agora criámos relações de conhecimento de mercado, com exposição e presença nos maiores eventos do sector. Investimos muito nisso e tem muito retorno, porque estamos muito actualizados.

CW ‒ Que outras prioridades estratégicas tem a empresa?

CL ‒ Continuar a criar e manter recursos de qualidade. Já temos uma boa relação com o Instituto Politécnico de Leiria, onde contratamos muitas pessoas. Mas temos de criar relações com outras universidades.

Estamos a pensar na universidade da Covilhã e no Instituto Superior de Engenharia do Porto. Queremos ajudar a formar pessoas que nos ajudem e propor conteúdos para haver adequação às necessidades do mercado. E depois tentar implantar alguns estudos teóricos no meio empresarial. Esse intercâmbio é quase um desígnio meu.

CW ‒ Segundo a vossa visão, como deverá evoluir este segmento que engloba gestão documental, workflow, ECM ?

CL ‒ Haverá uma convergência total entre gestão documental, sistemas de BPM, redes sociais empresariais, mobilidade, mensagens instantâneas, para soluções nas quais se podem agilizar processos de negócio, garantindo que sejam digitais. Para isso, preciso de ferramentas de gestão documental logo desde o início.

Os processos tornam-se muito mais “lean” do que quando têm de ter em conta mil excepções possíveis, porque certa informação não está disponível e depois, quando está, vem num formato diferente.

CW ‒ Mas o processo nunca é digital à nascença. Como é que esse aspecto tende a evoluir num prazo de cinco anos?

CL ‒ Nós ajudamos a que seja, embora vá continuar a haver papel. Temos de o eliminar a partir do digitalizador. E já fazemos isto em algumas empresas. Mas não podemos cair na utopia de dizer que os todos sistemas POS vão deixar de imprimir.

O cerne da questão é não estarmos presos ao papel para fazer os processos – e hoje estamos. A tendência da gestão documental é passar à digitalização – agora realizada no back-end, com objectivos de arquivo – para o início do processo, para o servir.

CW ‒ E os sistemas de pagamentos por dispositivo móvel, por exemplo, não vos elimina negócio?

CL ‒ Não. Só há digitalizador no Bizdoc devido aos documentos em papel, porque o sistema depois só trata ficheiros XML.

As pequenas empresas têm poucos recursos para [gastar em] camadas de integração de informação de documentos. E com o Bizdocs, fica dificuldade resolvida, porque ele passa logo tudo para XML [facilitando a integração da informação].

CW ‒ Qual a influência das plataformas de cloud computing no vosso negócio?

CL ‒ Só nos impulsiona o negócio. O Bizdocs está todo baseado numa plataforma de cloud computing. Para ter uma solução à escala mundial, precisamos de poder aumentar de escala [facilmente] e não conseguimos se estivermos dependentes dos nossos sistemas.

CW ‒ Que plataforma estão a usar?

CL ‒ A Azure. Em dois minutos multiplicamos por 100 a capacidade de processamento.

CW ‒ As empresas não têm receio de colocar os documentos em ambiente de cloud?

CL ‒ Vamos ver. Mas acho sempre muita piada a essas discussões.

CW ‒ Porquê?

CL ‒ Não há nenhum sistema seguro. Há demasiados pontos de falha.

CW ‒ Nem a Azure?

CL ‒ Nem esse, nem o da Google.

Vamos ter de repensar o que é realmente a segurança. Porque se temos um telemóvel ou um portátil e temos uma conta Google ou Facebook, não há segurança ou privacidade nenhuma. Se alguém quiser saber onde estou, sabe. Vamos ter de viver com isso.

CW ‒ Então é um valor inexistente?

CL ‒ Saber que a empresa A está a vender o produto X à empresa B… não é difícil. Basta-me um telefonema, se os sistemas estiverem todos protegidos e ninguém controlar as chamadas.

Não posso dizer que vou prescindir de meter os documentos na cloud porque alguém pode ver, porque de facto é possível. É uma “nuvem” e daqui a algum tempo vamos precisar de ter outra noção de segurança e privacidade. Não podemos olhar para isso como há 20 anos.

CW ‒ Então como vamos olhar?

CL ‒ Não sei. O mundo mudou, vamos ter de aprender.

CW ‒ Quais são os desafios que a Latourette enfrenta face ao cenário de evolução do segmento de gestão documental? Há uma convergência para uma plataforma que vai ser o quê?

CL ‒ Os processos vão ser mais convergidos. Não vai haver uma plataforma, mas vamos precisar sim de capacidade de desenhar soluções capazes de integrar as várias ferramentas ou componentes.

E desenhar o mais “lean” possível, tentando que tudo elimine o mais cedo possível a necessidade de interacção humana. Um conceito mais importante do que o “paperless”[sem papéis] é o “touchless” ou sem intervenção humana.

Porque posso ter muito “paperless” ou ausência de papel e precisar que as pessoas façam 500 cliques.

CW ‒ E quando surgirem problemas nesses sistemas, como serão resolvidos?

CL ‒ Temos de criar condições para os problemas, a serem resolvidos pelos humanos, não passarem de excepções. Tudo o que a máquina não resolve por tentativa e erro no seu processo.

CW ‒ Que outros desafios antevê para a Latourrette?

CL ‒ Os de sermos capazes de entendermos que ferramentas desenvolver para os novos desafios que estão a aparecer.

CW ‒ E quais são?

CL ‒ O crescimento do número de smartphones e tablets vendidos, a mobilidade incremental das forças de vendas, a importância de adoptar a mobilidade, a necessidade de tratarmos as informações empresariais dirigidas para as redes sociais. O mundo mudou criando às empresas sérios problemas de produtividade, associados às interrupções no trabalho – o atendimento de telefonemas, por exemplo. Temos de aproveitar bem as ferramentas.

Gostava que os trabalhadores conseguissem resolver uma tarefas da empresa sem ser necessário chegar aos escritórios.

CW ‒ Qual é o vosso modelo de internacionalização?

CL ‒ Estamos a estudar isso para o nosso projecto de internacionalização. Mas há uma ideia base que é aproveitarmos as parcerias com os fabricantes que já temos.

Carlos Latourrette_CEO-3rCW ‒ Que investimento fazem em investigação e desenvolvimento (I&D)?

CL ‒ Todo o trabalho no Bizdocs pode ser considerado I&D. E representou mais de 10% da facturação anual.

CW ‒ A aposta em formação equivaleu ao mesmo?

CL ‒ Em formação e exposição da empresa, andará perto disso.

CW ‒ O que pode revelar do projecto em Angola?

CL ‒ Está precisamente no início com um parceiro local. A nossa estratégia para o negócio no país passa por parcerias locais, porque não temos dimensão, nem capacidade financeira, nem jurídica para estarmos expostos a situações que desconhecemos totalmente.

Não vamos abrir escritório lá.

CW ‒ Em São Paulo, já é diferente. Está para breve a abertura?

CL ‒ Ainda estamos no processo de criar condições para fazermos isso dentro do processo de internacionalização.

CW ‒ Mas será ainda este ano?

CL ‒ Não sei. Temos de ver como evoluem alguns aspectos. Já temos lá parcerias e projectos, mas agora vamos ver como se desenrola o projecto de internacionalização e ver quais são as condições óptimas para isso acontecer.

CW ‒ Precisam do financiamento inerente ao projecto?

CL ‒ Felizmente, não. Podemos fazer a internacionalização com capitais próprios e já temos muito crédito junto da banca, para nos podermos financiar com fundos bancários. Mas ainda bem que há a possibilidade de candidatura, porque senão sairia tudo do nosso “bolso”.

CW ‒ Mas há capital de risco envolvido ou um “business angel”?

CL ‒ Não.




Deixe um comentário

O seu email não será publicado