Porquê introduzir alterações legislativas quando são expectáveis alterações na lei europeia em 2015 e quando o país está sobrecarregado de impostos, questiona Ricardo Henriques, sócio da sociedade de advogados PBBR.
Apesar de todas as críticas e tentativas de impedir a sua aprovação, a lei da cópia privada foi mesmo aprovada, na generalidade, com os votos favoráveis da maioria PSD/CDS, cumprindo assim a promessa eleitoral.
Com esta “actualização” da Lei 62/98, de 1 de Setembro, completa-se a transposição da Directiva 2011/29/CE e alarga-se o âmbito de aplicação da taxa, caindo a excepção que isentava os equipamentos digitais, tais como os cartões de memória, pen USB, telemóveis, tablets, discos multimédia e mesmo as “set-top boxes” das televisões por cabo.
Foram várias as entidades que se manifestaram contra esta nova lei (como a AGEFE e a APED), como aliás ocorrera com anteriores projectos de lei.
Recorde-se que a cópia privada constitui uma excepção ao direito de autor, permitindo a cópia legal (e não a pirataria) de obras em certas situações (por exemplo: mudar o seu formato, efectuar cópias de segurança, reproduzir a obra em diferentes dispositivos, etc.).
Esta lei visa assim criar um mecanismo de “compensação equitativa” dos danos patrimoniais sofridos pelos titulares de direitos de autor e direitos conexos, com a prática da excepção que a lei permite, isto é, cópias para uso privado sem necessidade de autorização do autor.
Uma das principais críticas apontadas foi precisamente a necessidade de compensar danos que, segundo alguns, não existem ou, existindo, são de tal forma reduzidos que não justificariam a existência deste mecanismo compensatório, ou poderiam ser compensados de outra forma.
Dúvidas como esta levaram alguns países europeus a não consagrar este mecanismo de compensação e parecem ser comprovadas por estudos europeus recentemente divulgados.
Outro ponto da contenda prende-se com o facto destes equipamentos digitais poderem servir para arquivar conteúdos que não são protegidos por direitos de autor de terceiros que careçam de remuneração, como é o caso dos da autoria dos próprios consumidores (tais como as fotografias e filmes de família).
Já um relatório anterior (da autoria de António Vitorino) alertava para outros riscos, como o “duplo pagamento” (pelos consumidores), uma vez que os titulares de direitos podem já ser remunerados por via da licença que concedem (como será o caso das licenças para os serviços de subscrição de streaming) ou conseguir impedir a cópia das obras com sistemas de protecção digital (DRM).
Veja-se o exemplo do serviço iTunes, o qual permite copiar uma música, filme ou livro para outros dispositivos ou que o mesmo seja partilhado com outros membros da família, de uma forma legal e que não deveria obrigar a qualquer compensação adicional, dado que o consumidor paga o preço no pressuposto de ter esses direitos.
Outro ponto de debate foi o valor das taxas, o qual – alguns argumentam – colocará Portugal num lugar cimeiro em termos de valores cobrados, por comparação com outros países que também optaram por cobrar esta taxa, embora aqui pareça ter existido uma solução de compromisso.
Discutiu-se igualmente o modelo de cobrança e redistribuição desta compensação, criticando-se a solução existente e apontando como exemplo, a título de “mal menor”, a solução implementada por outros países como a nossa vizinha Espanha (consagração de uma verba no orçamento do Estado).
Refiram-se ainda os possíveis efeitos negativos desta lei na economia nacional: uma redução do consumo de aparelhos electrónicos em Portugal, desviando os consumidores para outros mercados.
Contudo, talvez a crítica mais difícil de justificar tenha sido o porquê de introduzir alterações legislativas, quando são expectáveis alterações na legislação europeia sobre esta matéria no início de 2015 e numa altura em que o país está sobrecarregado de impostos.
Do debate de todos estes temas parece ter resultado que, não só a lei merece uma atenção redobrada na sua discussão na especialidade, como deverá ser revista a breve prazo, o que aliás é declaradamente reconhecido no seu preâmbulo.