Dois anos depois, AT revoga certificado de programa “adulterado” (actualizado)

Time Return requereu providência cautelar para suspender a revogação da certificação do seu programa iECR.

iECR - DRA Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) há dois anos que investigava o programa de facturação certificado iECR, da empresa Time Return, mas só na semana passada requereu a revogação do certificado que ela própria emite. A empresa revelou ao final do dia de ontem, terça-feira, ter pedido uma providência cautelar contra essa medida.

No ofício interno 5427 de 2012, da AT, relativo ao “combate à fraude e evasão fiscal”, é dito que a Polícia Judiciária (PJ) e a Inspeção Tributária “estão a investigar empresas que usam programas informáticos de registo para omissão de faturação real, com a consequente fuga ao IVA e IRC”.

No mesmo ofício, diz-se que o iECR certificado com o nº 1194 e um outro programa “estão sobre investigação neste processo de fraude e evasão fiscal que envolve software certificado”. Acrescenta-se que “as empresas que comercializam e potenciam estas soluções para a omissão de facturação real, nos clientes serão também alvo de investigação, pela PJ e Inspecção Tributária”.

Na semana passada, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, determinou a revogação do certificado do programa de facturação “na medida em que existem fundados indícios de utilização fraudulenta do referido programa e o mesmo não cumpre com os requisitos de certificação legalmente previstos”. A nota refere ainda que “os sujeitos passivos que possuam este programa devem cessar de o utilizar a partir de hoje, para todos os efeitos legais”.

Em comunicado emitido ontem, a AT declara que a operação “Fatura Suspensa” se iniciou em Setembro passado e se intensificou nos últimos dois meses, visando a inspecção a estabelecimentos comerciais “com o objectivo definido de combater a fraude na utilização de programas de faturação certificados”.

Da “complexa investigação”, resultou a revogação do iECR “por existirem fundados indícios de utilização fraudulenta de uma versão adulterada daquele programa certificado”.

Ainda segundo o comunicado, “foram instaurados, até ao momento, 128 autos de notícia a 108 arguidos, designadamente, por utilização ilegal de programas de faturação” e “foram apreendidas as respetivas 102 licenças de utilização de programas de faturação e recolhidos os ficheiros normalizados de exportação de dados (SAF-T), para além de outros elementos de prova relevantes”.

O bastonário dos Técnicos Oficiais de Contas, Domingues de Azevedo, declarou à agência Lusa que a revogação do certificado de um programa de faturação, “apesar de inédita, é um ato administrativo, cuja competência pertence ao Governo”. No entanto, desde 2010 e de um total de 1985 programas certificados, já houve 10 programas que tiveram revogação da certificação pela AT, sendo o último o iECR.

O programa já tinha sido objecto de análise pelo blogue “Fugir ao fisco para poupar nos impostos“, em Outubro de 2013, que explicava o alegado modo de fuga aos impostos: “No ecran de pagamento, se carregar no BOTÃO VERDE o documento vai para um estado SUSPENSO, e ao fechar o dia, DESAPARECE.
É assim simples, o cliente vai pagar, nao pede fatura com contribuinte, carrega-se no botão verde, e voilá, o documento é fechado e fica ‘suspenso’.
Assim, permite ao dono do estabelecimento controlar quanto está a ‘poupar’ no IVA (porque se for demasiado ainda desconfiam).
No fecho do dia, a mágica acontece e todos estes documentos desaparecem“.

A Time Return, empresa responsável pelo software, declarou também ontem ter requerido uma providência cautelar para “a imediata suspensão da eficácia do acto que determinou a revogação do certificado do programa de facturação iECR”. Por essa razão, recusa “até à decisão do Tribunal, mais esclarecimentos para com os orgãos de comunicação social”.

No seu site, a empresa apresenta uma cronologia de eventos entre 24 de Abril – data da assinatura da revogação por Paulo Núncio – e a passada segunda-feira. A 25 de Abril, em comunicado, a empresa afirmava já discordar “da notificação abusiva de todos os clientes que usam a nossa aplicação sem nos ser dado o direito de podermos contestar e rebater aquilo de que nos acusam”.

A empresa aponta nomeadamente o facto de o director-geral da Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), José Manuel Esteves, ter declarado após a revelação pública deste caso que “a associação fez um acordo com uma empresa de ‘software’ para criar uma aplicação de facturação à prova de fraude”.

Mas o responsável da AHRESP acusou o Estado pela situação e apelou aos associados para que “tenham calma porque a responsabilidade nesta matéria é exclusivamente do Estado português. Tem de ser o Estado a resolver este problema. Foi o Estado que certificou este sistema, está registado nacionalmente como um sistema válido. Foi neste acto de boa-fé que os empresários do sector adquiriram este sistema. É o Estado que tem que encontrar soluções”.

A AT afirma que “irá continuar as ações de fiscalização junto dos produtores de software, dos distribuidores e dos agentes económicos, de modo a detectar e punir a produção, a distribuição e a utilização, de forma fraudulenta, de programas de faturação adulterados”.

No entanto, no blogue Inspector Tributário, afirma-se que “o processo de certificação tem falhas à muito conhecidas e que podem ser abertamente exploradas por qualquer aplicação e/ou qualquer utilizador acedendo directamente aos dados”.

O autor refere que “não há sequer qualquer garantia que o software apresentado na reunião da certificação é o que é instalado no cliente e toda a versão subsequente à versão certificada está automaticamente certificada”. Assim, o facto “das assinaturas apenas utilizarem a fatura anterior da mesma série, permite com a criação de várias séries ou mesmo sem (e não há qualquer limite para o n.º de séries criadas) fazer o que se queira, sem qualquer tipo de botão mágico, aplicações complicadas ou clouds”.

Actualização: Apesar de não ser visada na acção da AT, a Artsoft emitiu esta quarta-feira um comunicado onde afirma que “a fuga ao fisco no comércio a retalho e restauração é prática corrente no nosso país”.

A empresa afirma que, apesar de isso “custar uma significativa perda de clientes”, os seus softwares “não têm ‘portas abertas’ nem permitem fraudes, e dificulta ao máximo que estas operações sejam feitas com ‘habilidades’ externas às aplicações”.

A empresa reage assim a meios de comunicação social em que “vários responsáveis por empresas produtoras de software, dão a cara afirmando que qualquer software house em Portugal permite a elaboração de mecanismos que permitem a fuga ao fisco, e que só assim sobrevivem neste mercado”. A empresa “repudia este testemunho generalista em que acusa todas as software houses de fraude”.




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