Legisladores franceses querem acesso aos dados dos utilizadores em tempo real

Um novo projecto de lei pode conceder a militares, polícia e até mesmo funcionários fiscais o acesso sem mandado aos dados dos utilizadores nos fornecedores de acesso à Internet e nos serviços online.

Uma grande variedade de funcionários do governo podem ter acesso aos dados em tempo real a respeito de utilizadores nos fornecedores de acesso à Internet (ISP) e em serviços online, incluindo sites de hospedagem de conteúdos, sem aprovação de um juiz, no âmbito de um projecto de lei aprovado pelos membros da Assembleia Nacional francesa na sexta-feira.

A medida, inscrita no projecto de lei da programação militar de 2014-2019, exige aos ISPs e empresas de hospedagem de conteúdos para fornecerem aos funcionários do governo com acesso aos detalhes da actividade dos seus utilizadores sem supervisão judicial. As autoridades policiais já podem pedir a um juiz uma autorização para aceder a esses dados.

Se o projecto se tornar lei, deixará de ser necessário usar a via judicial para obter esse acesso, bem como o número de funcionários do governo que podem aceder a esses dados será muito mais amplo, incluindo potencialmente os responsáveis pela cobrança de impostos. Os pedidos de acesso a esses dados poderiam ser aprovados por uma pessoa nomeada pelo primeiro-ministro, por períodos de até 30 dias, renováveis. Os pedidos podem também ser feitos por funcionários designados pelos ministérios da Defesa, do Interior ou das Finanças, e serão revistos após a sua ocorrência por uma comissão responsável pela auditoria às autorizações para as escutas telefónicas. O processo pelo qual o comité pode revogar a aprovação é lento, no entanto.

O projecto de lei atraiu imediatamente críticas da Renaissance Numérique (RN), um “think tank” com membros como o director dos assuntos públicos e legais da Microsoft França, Marc Mossé, e a gestora de relações institucionais da Google França, Elisabeth Bargès.

A RN lamentou a falta de consulta sobre as medidas incluídas no artigo 13º do projecto de lei, disse sexta-feira em comunicado publicado no seu site.

A ampliação neste artigo da capacidade da administração pública recolher o histórico de navegação nos browsers dos utilizadores em tempo real, sem a aprovação de um juiz, é antidemocrática, diz o comunicado.

Enfraquecer os controlos sobre o acesso a dados pessoais de utilizadores da Internet é uma violação à liberdade individual. Ganhar tempo não é uma razão suficiente para atropelar os fundamentos da nossa democracia, disse a RN no comunicado .

O projecto de lei foi introduzido pelo Senado francês, em Agosto, e alterado pela Assembleia Nacional numa série de votos na sexta-feira. A sua finalidade é definir a forma como o governo garante a protecção do território francês e dos cidadãos de ameaças, incluindo agressão ao Estado, ataques terroristas, ciberataques, ameaças ao poder científico ou técnico do país, crime organizado e desastres naturais, e orçamentar isso.

O projecto antevê uma mudança das ameaças físicas para as ciberameaças, e propõe passar alguns recursos do hardware militar tradicional para a vigilância e contramedidas electrónicas. Ele permite ainda ao Ministério da Defesa recrutar 350 funcionários para a ciberguerra, além dos 500 que já estão a trabalhar para a Agência Francesa de Segurança de Sistemas de Informação (ANSSI), criar um sistema de informação centralizado para as Forças Armadas, e desenvolver novos satélites para interceptação de sinais em 2019. No mesmo período, a lei acaba com 54 dos 254 tanques pesados Leclerc do exército francês, outros mil veículos blindados e um quarto dos seus helicópteros de ataque. Ele define ainda o papel da nova equipa de ciberguerra, como identificar a origem dos ataques, avaliar as capacidades defensivas dos potenciais adversários e, se necessário, responder. [Vários países estão a legislar no mesmo sentido, como é o caso de Portugal.]

É cedo ainda para uma decisão sobre o artigo 13º, dado que o projecto de lei deve regressar ao Senado para um debate mais aprofundado, e obter a aprovação presidencial, antes de entrar em vigor como lei.




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