Banco de Portugal fala de “baixos” volumes de transacções mas “a realidade pode vir a alterar-se substancialmente no futuro”. E alerta que não é uma “moeda segura”.
A relação dos Bitcoins “com a economia real é ainda limitada, os volumes transaccionados são baixos e é também diminuto o seu nível de aceitação”, revelou o Banco de Portugal (BP) em declarações ao Computerworld, para o dossier sobre ePagamentos e Banca 2.0.
O BP considera não haver “qualquer normativo que impeça os pagamentos com Bitcoin entre particulares”, explicou Ricardo Polha, do Gabinete do Governador e dos Conselhos (GAB) – Gabinete de Comunicação Institucional, por email.
A instituição não aceita as referências dadas sobre o crescimento da emissão e aceitação da moeda por “entidades não oficiais” e, basicamente, segue recomendações do Banco Central Europeu (BCE).
Este, em Outubro do ano passado, emitiu um estudo sobre a moeda digital onde declarava que os bancos centrais deviam monitorizar a evolução do fenómeno da moeda digital.
Não obstante os “baixos” volumes de transacções, “a realidade pode vir a alterar-se substancialmente no futuro”, diz o Banco de Portugal, “consciente da necessidade (…) de reconhecer e agir sobre os modelos de pagamento de moeda virtual”.
Foi o que fez o ministério federal alemão das Finanças, quando aprovou em Agosto passado a utilização da moeda em operações privadas. A situação é diferente para as empresas: se quiserem usar Bitcoins em transacções comerciais, precisam de autorização da autoridade de supervisão financeira federal (BaFin).
O Ministério alerta para as desvantagens da moeda – sobretudo relacionadas com a sua instabilidade – mas como o impacto da mesma é fraco, os riscos também são limitados, e a entidade vai apenas vigiar a sua evolução.
O Banco de Portugal tem maiores cautelas: “dado não existir uma entidade central que garanta a irrevogabilidade e a definitividade das ordens de pagamento, a Bitcoin não pode ser considerada moeda segura, visto que não há certeza da sua aceitação como meio de pagamento”, diz Ricardo Polha.
Os utilizadores suportam todo o risco, alerta o responsável: a emissão da moeda “é feita por entidades não reguladas, nem supervisionadas, e, portanto, não sujeitas a qualquer tipo de requisitos prudenciais; e o sistema também não é sujeito a qualquer tipo de actividade de superintendência”.
Na abordagem do Banco de Portugal, a principal desvantagem da Bitcoin “é o seu não reconhecimento como moeda com poder liberatório geral”. Os seus detentores “não têm qualquer garantia de poder trocar a Bitcoin por produtos ou pela prestação de serviços”, explica, por falta de regulamentação específica.
“Como a sua criação é descentralizada, não existindo um ‘dono do sistema’, é difícil definir a jurisdição ao abrigo da qual devem ser estabelecidos procedimentos e regras aplicáveis ao modelo”, acrescenta. Mas em termos legais, lembra, os pagamentos mediante outros meios além das notas e moedas está dependente da aceitação pelos credores ou beneficiários e das condições dos mesmos.
O BCE classifica a Bitcoin como uma moeda virtual (Virtual Currency Scheme) do Tipo 3. Assenta num modelo de pagamento de moeda virtual bidireccional, no qual os seus utilizadores podem adquiri-la ou comprá-la com uma moeda legal. E, nesse enquadramento, é possível comprar bens e serviços tanto em ambientes reais como virtuais.
A experiência do Linden
O estudo do BCE também aborda o Linden Dollar, uma moeda virtual usada na comunidade virtual Second Life. A moeda só pode ser usada dentro desse universo, mas muitas transacções lá ocorridas têm ligações com o mundo “exterior”.
A moeda é supervisionada pela Linden Lab – a gestora da plataforma –, que garante uma taxa estável de equivalência com o dólar americano. As capacidades de controlo da entidade gestora não têm evitado vários problemas e a plataforma já foi suspeita de suportar esquemas financeiros fraudulentos.
Um colapso de um banco virtual levou a entidade a colocar mais restrições a essa actividade. Contudo, persistem várias questões sobre relações de propriedade, responsabilidade face a perdas, compensações e incidentes de segurança.
Crescimento deve continuar
No relatório do BCE, este considera que o crescimento das moedas virtuais vai continuar. E são vários os factores identificados.
Um deles é o aumento da utilização da Internet, assim como do número de comunidades virtuais. O crescimento do comércio electrónico – em particular de bens digitais – gera plataformas ideais para os sistemas de moeda virtual.
Esta proporciona também um grau mais elevado de anonimato (em comparação com outros instrumentos de pagamento electrónico), que beneficia o seu incremento. Os menores custos de transacção envolvidos também são um factor a considerar, assim como a rapidez da concretização e liquidação das operações – exigidas, em particular, nas comunidades virtuais.
Moeda como novo sistema de pagamentos
Os políticos devem tomar cuidado para não impor restrições pesadas a uma plataforma inovadora (Bitcoin) que pode transformar o comércio global, dizem Jerry Brito e Andrea Castillo, do Mercatus Center da George Mason University. Isso será importante à medida que a indústria da tecnologia lida com os potenciais benefícios e riscos da Bitcoin.
Como ponto de partida, os investigadores sugerem que a maneira correcta de avaliar a Bitcoin “não é necessariamente como uma substituta para as moedas tradicionais, mas sim como um novo sistema de pagamentos”. E reconhecem a existência de “uma espécie de zona cinzenta legal”.
“Isso acontece principalmente porque a Bitcoin não cabe exactamente nas definições legais existentes sobre moeda ou outros instrumentos financeiros e instituições, o que torna difícil saber que leis se aplicam e como”, escrevem.
Os investigadores reconhecem o mérito de a Bitcoin sustentar a concretização, em grande escala, do que nenhum outro sistema de pagamentos tem sido capaz de fazer: proporcionar o intercâmbio directo e fiável de moeda através de uma rede “peer-to-peer” distribuída que mantém o controlo de débitos e créditos.
Também consideram que ausência de uma entidade de governação para verificar e processar as transacções pode fazer da Bitcoin uma plataforma muito mais económica para os pagamentos globais. Isso habilita melhor a moeda para ser usada em micropagamentos, facilitar o acesso ao capital e para outras aplicações inovadoras.
“Por outro lado, a natureza descentralizada do Bitcoin também apresenta oportunidades para o crime”, alertam. “As mesmas qualidades que fazem da Bitcoin atraente como sistema de pagamento também pode permitir aos utilizadores sonegar impostos, ‘lavar’ dinheiro e comercializar bens ilícitos”, sublinham.