“Liderança das autarquias será o factor diferenciador”

António Raposo de Lima explica, em entrevista, como o mais importante nos investimentos da IBM em cidades portuguesas é a dinâmica criada. Em plena transformação, o mercado destaca-se nas clouds privadas, segundo o responsável.

Ainda não era público o projecto para um centro de serviços de tecnologia para Tomar, quando António Raposo de Lima avançou, em entrevista, uma espécie de lema para as iniciativas da IBM em cidades portuguesas: “a liderança das autarquias será o factor diferenciador”.
A empresa quer crescer em Portugal ganhando quota de mercado e espera aproveitar a onda de transformação que o responsável garante existir no tecido empresarial. Um dos factores para isso, é o negócio de cloud computing, no qual os clientes portugueses são inovadores, diz.

Mas há outras áreas tecnológicas onde o fabricante quer “mostrar valor”. A propósito, num evento organizado pela IBM, o presidente da empresa recordou que a competitividade das empresas já não se resolve só no back-office.

É necessário “transformar o front-office”, visando conhecer e abordar as necessidades do cliente. Este é uma entidade transformadora, com a qual é preciso criar maior envolvimento.

Contudo o responsável não esqueceu o back-office. E defendeu “ser dentro da complexidade dos sistemas que as empresas têm de encontrar respostas” e extrair conhecimento, para  inovarem num tempo de incertezas.

Por isso, também destacou a “gestão de inteligência” sobre o negócio e clientes como novo factor de competitividade. “A inteligência deixa de ser só uma qualidade para ser transaccionável e assim é passível de ser gerida”, diz.

Computerworld – Disse num discurso de encerramento de um evento da IBM que “o cliente transformador está cada vez mais dentro das organizações”. O que é que isto significa na realidade?
António Raposo de Lima – Quer dizer que hoje estas camadas analíticas são mecanismos usados por muitas empresas, para criar uma interacção de valor com os clientes. Isso significa, no mercado B2C, o cliente ter um poder que antes não tinha.

Com as tecnologias de mobilidade e com as suas ferramentas nós consumidores conseguimos, perceber até antes dos comerciais dessa organização de que tipo de produtos estamos a falar. E até se podemos comprá-los com outras alternativas, podemos aceder a opiniões de amigos e outras comunidades em redes sociais.

Temos a capacidade enquanto clientes de influenciar a empresa com decisões. No B2C, a mesma coisa, mas de forma mais estruturada e estruturante.

Um banco português introduziu um filtro e um mecanismo sobre as suas redes sociais para saber se determinadas comunidades de amigos e clientes de serviços de créditos à habitação estão satisfeitas, e portanto se podem degradar a imagem do banco. Este cliente transformador tem de ser colocado dentro da empresa.

CW – O cliente é chamado a participar?
ARL – De forma proactiva nuns casos e noutros, por via das tecnologias e soluções, na medida em que influencia as escolhas. Um exemplo da primeira forma  é as empresas tomarem a iniciativa de poder ter comités ou espaços organizados para obterem a opinião, e o envolvimento de clientes nos laboratórios, como a IBM faz.

O cliente pretende ser tratado como um indivíduo e não como um segmento. Apesar de estar num contexto, tem a sua idiossincrasia.

CW – Tem a ver com as abordagens granulares, cada vez mais importantes.
ARL – Potencialmente há sete mil milhões consumidores no mundo. A forma como se pode ter um marketing para cada um, não deixa de ser uma arte, mas já é mais uma ciência, um método de endereçar as necessidades de uma pessoa.

CW – Embora acabe por prevalecer a lei de Pareto (80% das consequências, advêm de 20% das causas), e logo 20% dos clientes valem normalmente 80% das receitas.
ARL – Claro, porque temos de ser eficazes e práticos e o óptimo é inimigo do bom. Há ferramentas que permitem colocar o cliente transformador a actuar de maneira diferente. E o desafio de cada empresa é incorporar esse cliente dentro dela própria.

 

Três ajudas à internacionalização

CW – Como é que a IBM pode ajudar as empresas portuguesas de TIC a internacionalizarem-se? Tem algum programa ou iniciativa?
ARL – Em primeiro lugar, uma empresa consegue internacionalizar-se mais, quanto mais forte for, quanto mais soluções de valor tenha.

Aí podemos ajudar com as nossas soluções inovadoras em várias áreas (Business Analytics, de redes sociais, de mobilidade, de cloud computing). As empresas com esse tipo de soluções é que se estão a internacionalizar-se.

A segunda ajuda decorre do facto de sermos uma empresa global: actuando em várias geografias temos pessoas portuguesas em várias subsidiárias. E temos clientes e projectos conjuntos em Angola e no Brasil

Além disso quanto mais agressiva e rentável for uma empresa de TIC, maiores energias tem para investir noutros mercados. Fazemos planos de negócio com as empresas parceiras, com objectivo de desenvolver soluções rentáveis, para elas terem resultados capazes de sustentar investimentos.

CW – A IBM não fala muito da sua actividade em nearshoring. Qual é o ponto da situação e como tende a evoluir este negócio?
ARL –
Temos duas estruturas em Portugal. Em Braga no domínio do outsourcing de processos de negócio, com 400 pessoas muitas da Universidade do Minho. Prestamos de serviços financeiros e de contabilidade a um cliente na indústria do retalho, dando suporte às suas sucursais em Portugal, Espanha e França. E desde 2008 fornecemos de serviços de CRM, a operações de uma multinacional da electrónica de consumo, para quatro países (Portugal, Espanha, França e UK), com suporte a quatro idiomas (português, espanhol, francês e inglês).

Outro serviço de nearshoring funciona no domínio das infra-estruturas no Taguspark, onde desenvolvemos serviços para clientes portugueses que operam noutros mercados.

Há um terceiro baseado num serviço de gestão aplicacional, manutenção e transformação das aplicações, prestado à Vodafone, que vamos exportar para outros países, como a República Checa.

 

“Os nossos projectos procuram ‘agarrar’ determinado aspecto para poderem ser práticos”

CW – Lembro-me que quando assumiu funções, foi visitar o Presidente da República, Cavaco Silva. Fez promessas de investimento da IBM na sua declaração. Estava a falar do quê exactamente?
ARL – A promessa foi manter a lógica de investimento da IBM em Portugal, e é o que temos vindo a fazer e a reforçar. A nossa presença passa por apoiar os nossos clientes e por trazer investimentos da IBM como estes que lhe referi, além de outros como é caso do prémio científico.
Há também várias apostas na responsabilidade social.

CW – Pensava que ia falar de “smart cities”.
ARL – E vou (risos). É outro investimento que estamos a trazer para Portugal, o projecto de Faro já é do domínio público, envolve a Câmara, mas também a universidade e empresas de Faro.

Há também o projecto do Centro de Operações Integrado do Porto. E teremos mais novidades, mas neste momento não posso avançar.

CW – O que está ainda por revelar envolve mais cidades, mais universidades? O quê?
ARL – Nestes projectos o que está para acontecer é a sua concretização. Estamos à espera dos resultados das primeiras fases.

E numa outra cidade estamos a trabalhar justamente para encontrar dentro da cidade o projecto certo, porque o meio urbano é um cosmos muito complexo, na dinâmica que provoca. Os nossos projectos procuram “agarrar” determinado aspecto para poderem ser práticos e apresentar resultados.

CW – E que valores financeiros tem a IBM disponíveis para investir em projectos de “smart cities” em Portugal?
ARL – No caso de Faro, parte do investimento é público porque é um projecto limitado no tempo e em tecnologia. Mas o mais importante não é isso.

CW – É a dinâmica criada?
ARL – Exactamente. E há um investimento das autarquias das forças vivas da cidade, não é só da IBM. Nós temos 2500 projectos concretos no mundo onde investimentos conhecimento e tecnologia. O factor diferenciador será a liderança das autarquias.

 

“Portugal destaca-se por projectos de vanguarda em cloud privada”

CW – Como está a correr o negócio da IBM na área de cloud computing em Portugal? Que estratégia estão a seguir?
ARL – O negócio da cloud está a correr muito bem em Portugal. A IBM registou um crescimento de 80% das receitas mundiais nesta área em 2012.

CW – Mas de quanto era o negócio para crescer assim tanto. Não era muito grande pois não?
ARL – Era. Nós já temos centros de cloud computing há muitos anos.
Qualquer cliente português pode em pouco minutos ter um sistema SAP em produção num modelo de cloud computing. Só tem de aceder a um menu de serviços de cloud pública, que podem ser costumizados.

Temos um centro de operações na Alemanha vamos ter outro em Barcelona. Vários pequenos clientes portugueses utilizam esse tipo de serviços no domínio do desenvolvimento aplicacional, por exemplo.

E também temos clientes a usarem clouds privadas. Aliás Portugal destaca-se na região da Europa, justamente por projectos de vanguarda em cloud computing privada.

CW – Estamos a falar de quantos clientes?
ARL – Temos mais de uma dezena de clientes. Na nossa actividade de “nearshore” de infra-estruturas prestamos serviços de outsourcing e portanto há componentes muito importantes de virtualização e evolução para o mundo cloud.

 

“Não entendo é porque demoramos tanto tempo a tomar decisões”

CW – Que opinião tem sobre o trabalho da AMA? Está a seguir um caminho correcto?
ARL – Tenho dificuldades em comentar esse tema. Porque há dois domínios, o de conceito e o de execução. No conceito tem havido alguns zigue-zagues. Mas aquilo que se apontava parecia-me bem.

CW – Está a falar do levantamento de existências?
ARL – Claro, o esforço de descobrir eficiências no sector usando os recursos disponíveis nos centros de dados, a sua consolidação, a utilização de cloud computing, para o que faz sentido, a implantação de uma lógica de maior eficiência na prestação do serviço ao cidadão, e no próprio eGovernment.  O conceito não tem nada de novo, e outros países já estão numa fase muito avançada de execução, de análise de resultados e ajuste de dinâmica.

A minha crítica construtiva vai no sentido da execução. Portugal por vezes despende demasiado tempo nas análises e nos diagnósticos e no apontar de caminhos – que é importante para encontrar dinâmicas transformadoras – mas demoramos nisso demasiado tempo.

CW – A decidir?
ARL – E depois temos alguma dificuldade em decidir, e quando parece estar decidido, não vemos no terreno nada a acontecer. E isso provoca depois a desmobilização.

CW – Mas isso é devido a dificuldades nos processos de procurement ou de quê? De diferenças de visão entre instituições?
ARL – Não sei. Isso tem de perguntar à AMA. Eu como agente interessado e responsável só posso dizer que há um caminho a seguir na eficiência da administração pública, e as TIC podem e devem ajudar – como já está a acontecer em várias “ilhas” da administração pública.

O problema  da AMA é conseguir a articulação das várias ilhas num único continente, o que é difícil, quando temos ministérios já de si segmentados. Percebo que haja dezenas de anos de inércia, contrária a esse movimento. Já não entendo é porque demoramos tanto tempo a tomar decisões e a começar a executar.

 

“Temos empresas e instituições que numa lógica de sobrevivência precisam de ganhar factores de competitividade”

CW– Quais são os pilares da IBM no mercado português agora e para os próximos anos?
ARL – A estratégia é crescer.

CW – Mas como?
ARL – Ganhando quota, num mercado mais exigente, em retracção e onde temos um conjunto de empresas e instituições que numa lógica de sobrevivência precisam de ganhar factores de competitividade,  e portanto estão a transformar-se. E a IBM tem vindo a disponibilizar-se e a mostrar valor junto dessas organizações. planeamos crescer nessa caminhada.

CW – Mas as empresas estão a transformar-se mesmo? Os ciclos de renovação estão a acontecer mesmo?
ARL – Estão. A banca por exemplo, está num processo de transformação acelerada. Isso significa ganhar novos espaços de eficiência mas também de utilização de novas ferramentas analíticas, para cativar e ganhar lealdade de clientes, e visando fazer o seu caminho de crescimento de receitas, com margens mais adequadas, e mais exigentes.

Tem tudo a ver com inovação e aplicação de tecnologias e soluções. O sector do retalho está num desafio tremendo: o mercado doméstico está retracção, e algumas das empresas estão a procurar o mercado externo.

A utilização das redes sociais, de soluções de mobilidade e cloud computing, com maiores eficiências é uma necessidade premente. As empresas de telecomunicações estão em processos muito acelerados de transformação. As próprias PME também.

CW – O segmento das PME envolve um enfoque muito grande da vossa parte?
ARL – Claro! Primeiro porque o nosso tecido empresarial é predominantemente determinado por aquilo que fazem as nossas PME.

CW – Mas está a falar mais de médias empresas, no vosso caso?
ARL – Não, pequenas também. Temos soluções específicas com parceiros. Na área por exemplo da eficiência da cadeia de fornecedores e produções.

Outro domínio será o da competitividade, no sentido de obterem canais de venda e logísticas mais atractivas. Os nossos parceiros também têm as suas soluções em várias áreas como o das cidades de futuro, mais inteligentes, da gestão financeira, gestão da cadeia de fornecedores, e analítica.




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