Directores digitais são nova “ameaça” ao papel estratégico do CIO

A onda de contratação de CDOs ameaça ofuscar a importância estratégica dos CIOs. As empresas incentivam o trabalho em cooperação, refere Kim S. Nash, editora sénior da CIO.com.

Quando os consumidores quiseram que filmes, TV, música e outros media estivessem online e nos dispositivos móveis, as empresas de entretenimento começaram a recrutar directores digitais ou chefes de operações digitais (Chief Digital Officer ou CDO) para transformarem os seus negócios.Agora, a contratação rápida de CDOs e de executivos semelhantes noutras indústrias, incluindo a de produção, retalho, alimentar e serviços financeiros, deixa os CIOs questionando-se sobre qual é a sua posição.

Ajustar os negócios da empresa a um mundo que se tornou digital – e para clientes exigentes com opiniões virais – é algo muito sério em quase todos os sectores. Assim, não é de admirar que alguns CEOs estejam abrindo espaço na mesa de reuniões para um novo executivo, o CDO.

A procura por CDOs talentosos aumentou, e os recrutadores estão lutando para encontrarem executivos híbridos que tenham na bagagem esta mistura mágica de marketing, e-commerce, estratégia de negócios e capacidades de geração de receita para convidá-los para a festa. A Gartner prevê que 25% das grandes empresas terão CDOs em 2015, mas estima que apenas 20% dos CIOs têm condições de agregarem as responsabilidades típicas dos directores digitais.

Sinal de que os CIOs vão desaparecer, para darem lugar aos CDOs? Ou serão executivos com atribuições complementares?

Três marcas bem conhecidas – Best Buy, Starbucks e OfficeMax – já estão a viver este conflito. Em duas delas – Starbucks e OfficeMax -, o CIO e o CDO parecem estar bem alinhados e a trabalhar como uma equipa. Mas a história é um pouco diferente na Best Buy, que optou por reformular radicalmente a sua lista de principais executivos no ano passado. O novo chefe de operações digitais tem uma avaliação bastante arrepiante do que será o papel das TI na empresa. “A Best Buy hoje está voltada para dentro. Eu sou responsável por que ela se volte para fora”, diz Scott Durchslag, presidente mundial de e-commerce e serviços online. “É necessário uma lente para ver o futuro”, acrescenta.

Quantos CIOs serão capazes de atender às crescentes necessidades de se concentrarem em questões de negócios externos tanto quanto na excelência da TI interna?

Cerca de 20% dos CIOs já se envolveu com os deveres do director digital, de acordo com a Gartner. Por exemplo, os CIOs da empresa de construção Brady e da empresa de comércio têxtil Burberry, que recentemente expandiram os seus papéis nessa direcção.

Em muitos outros casos, contudo, o CDO é um executivo de fora da empresa – um executivo de TI externo – que cai de páraquedas sob o comando de um CEO que é inflexível sobre a transformação corporativa. Normalmente reportando directamente ao CEO, o CDO possui a autoridade de reorganizar os funcionários e pedir recursos financeiros para implantar grandes planos.

Por outras palavras, o CDO recebe as chaves para promover as mudanças que o CEO deseja, mas que não obtém a partir da hierarquia estabelecida. O que significa que o futuro que os CIOs de elite pensaram ter montado – definição de estratégias e empreendedorismo – pode ser-lhes roubado. “Pode-se chamar isso de voto de desconfiança”, conta Dave Aron,  analista da Gartner. As empresas que contratam CDOs dizem que o CIO é importante, conta Aron, mas elas estão claramente à procura de algo que o CIO não está a oferecer.

O potencial de tornar-se digital vai além da TI, abordando ideias como o envio de cupões em tempo real para os dispositivos móveis dos clientes à medida que eles fazem compras digitais, para obterem o produto, mais tarde, numa loja local. Ou, como no Starbucks, administrando a inovação tecnológica no retalho de forma tão completa quanto o aroma do café passado que permeia as suas lojas. Ou, como na Best Buy, transformando completamente um núcleo de negócios a beira da morte.

Idealmente, os CIOs já deveriam estar a configurar a tecnologia necessária para tal transformação digital, diz George Westerman, investigador no Centro para Negócios Digitais do MIT.

Os CEOs estão aptos a contratar um CDO de peso em casos onde falte aos CIOs a força política para reorientar a empresa, conta Westerman. Os CIOs “têm as capacidades correctas, mas maus relacionamentos. São incapazes de levar as unidades de negócio e os directores de marketing a mudarem”, aponta. “Isso exige poder e respeito”.

Por outro lado, não há uma descrição de trabalho definida, nem nenhum parâmetro normalmente aceite sobre como um CDO e um CIO devem trabalhar juntos.

A linha que diferencia o CDO do CIO varia entre empresas, dependendo dos seus objectivos, afirma Jim Barr, que entrou na OfficeMax como CDO em 2011. Ele e o CIO, Randy Burdick, discutiram durante algumas semanas sobre como eles e as suas equipas iriam interagir. “Podemos ter organogramas, mas isso é uma formalidade”, conta Burdick. “Estamos a tentar ao máximo remover os limites perceptíveis”.

Se um CIO vai ou não descobrir como evoluir neste novo ecossistema, é o que irá ditar o quão relevante ele será. “Não espere que alguém lhe peça para ser estratégico”, aconselha Westerman.

Bom relacionamento
A contratação de um CDO numa empresa com problemas sinaliza, para Wall Street, que os líderes séniores vêem o problema e estão a fazer algo em relação a ele. Por exemplo, a OfficeMax – que viu as vendas diminuírem a cada ano nos últimos cinco anos – gosta de incluir Barr em conversas com os analistas financeiros.

As empresas com altos níveis de “maturidade digital” podem recolher recompensas financeiras impressionantes, de acordo com Westerman, que trabalhou com a Capgemini Consulting num estudo a dois anos, cobrindo 391 empresas.

As organizações que tomam iniciativas digitais, como a monitorização das operações internas em tempo real, coordenação de actividades corporativas por departamentos e envolvimento dos clientes com tecnologia para obter uma vantagem competitiva, registam uma receita 9% mais alta, uma avaliação de mercado 12% mais elevada e lucros 26% mais altos, constatou o estudo.

Diante de tais números, quem não quer que tudo seja digital? Mas isso é um mau plano, diz Westerman. As transformações digitais mais bem-sucedidas focam-se num ou talvez dois objectivos, explica. Todos os projectos e investimentos em potencial devem ser avaliados a fim de saber se eles esclarecem mais esses objectivos.

Na OfficeMax, as duas prioridades são a experiência do cliente e as vendas online. No ano passado a empresa reformulou o seu serviço de busca para fornecer resultados e recomendações mais precisas, o que significa que os clientes vão comprar de forma mais rápida. No primeiro mês de funcionamento do serviço de busca, a taxa de conversão de navegadores para compradores aumentou e, com ela, aumentou também a média de receita por visita. Em queda, a satisfação do cliente com a navegação pelo site melhorou.

Barr também pediu ao grupo de TI que mudasse os seus hábitos de desenvolvimento de software para que ele pudesse fornecer 20 actualizações por ano em vez de apenas algumas. Lançamentos mais frequentes criam mais oportunidades de responder ao que o cliente quer, talvez até mesmo ficando à frente deles, conta Barr. “Temos 20 chances para aprender e ajustar o nosso caminho”.

“Jim trouxe isto para a mesa de forma apaixonada”, conta o CIO Burdick. Em resultado disso, o grupo de TI adoptou alguns métodos ágeis. A dupla CIO e CDO, onde ambos respondem ao CEO, também se uniu para influenciar os departamentos financeiro e legal a fim de ajustar os processos desses departamentos para aprovar as propostas de tecnologia mais rapidamente. Em particular, Burdick e Barr, em conjunto, convenceram o CFO a modificar a sua abordagem ao retorno de investimento (ROI). Em vez de procurar o caso do negócio num projecto individual, é mais produtivo considerar os benefícios acentuados e leves de todo o trabalho, explica Barr.

O CFO, cuidadoso, concordou, mas exigiu relatórios mensais de progresso que depois foram passados para cada trimestre. “Não existe nada como obter resultados corporativos para deixar o CFO feliz”, conta Burdick.

Conflitos administrados
Já na rede Starbucks, o CIO Curt Garner e o CDO Adam Brotman trabalharam diligentemente para definirem os limites e as sobreposições dos seus papéis. Brotman possui a responsabilidade sobre as declarações de lucro e perda para os empreendimentos de comércio online e relacionados com o consumidor digital, tais como as aplicações móveis e os programas de fidelidade.

Garner desenvolve, dá suporte e mantém a TI por detrás desses empreendimentos. Mas eles colaboram na criação de quase todos os grandes projectos, conta Brotman. Como os seus escritórios são ao lado um do outro, eles naturalmente criaram o hábito de conversar frequentemente e de validarem um com o outro, conta Garner, adicionando: “passamos muito tempo no espaço um do outro, estimulando um ao outro de uma forma saudável”.

Eles abordam conflitos em potencial de forma precoce, conta Brotman. Por exemplo, algum trabalho de desenvolvimento móvel foi recentemente expandido, exigindo mais funcionários do grupo de Garner do que o anteriormente alocado.  Este problema chegou ao limite na tarde de uma sexta-feira, lembra Brotman. No sábado de manhã, falou com Garner. “Ele poderia ter-me dito que eu estava a pedir demais. Ele poderia ter dito algo como ‘tínhamos um plano, atenha-se a ele’. Mas, literalmente, disse ‘confio em você’ e foi enfrentar a equipa financeira por mim”.

“Temos respeito e confiança mútuos”, afirma Garner. “Sem isso, esta inovação digital não iria acontecer”.

Os resultados desse trabalho de desenvolvimento são esperados para o final deste ano na forma de novas ferramentas móveis para o programa de fidelidade do Starbucks.

Troca de poder
Em lojas de retalho de electrónica como a Best Buy existe uma tensão extra à medida que as vendas e lucros caem e os observadores prevêem resultados terríveis. O jornal da cidade natal da Best Buy, o Minneapolis Star Tribune, publicou recentemente um longo artigo enumerando os desafios futuros  e os erros cometidos no passado, denominando a empresa como um “império perdido”.

As vendas da loja caíram em três dos últimos quatro anos e o negócio de vendas online da Best Buy, que concorre com a incrivelmente esfomeada Amazon, não está a crescer rápido o suficiente para compensar a diferença. A Best Buy perdeu 1,2 mil milhões de dólares no ano passado.

Assim como outros retalhistas, a Best Buy vê um futuro promissor na compra por vários canais, onde os clientes facilmente se movem entre os reinos físicos, da Internet e do telemóvel para navegar e fazer compras. Para realizar isto, a Best Buy, em Março do ano passado, criou um novo cargo: o de presidente de estratégia digital e de marketing global. Para preencher este posto de czar digital, a empresa recrutou Stephen Gillet, que veio de um cargo de alto escalão administrando os empreendimentos digitais no Starbucks, um papel que ia muito para lá do então seu cargo CIO.

Ao anunciar a contratação, o CEO da Best Buy à época exaltou as “incríveis conquistas” de Gillet e a sua “rara combinação de capacidades de liderança de negócios, a experiência de transformação de retalho e a sua perspicácia digital e tecnológica”. Em Novembro do ano passado, Gillett falou durante 20 minutos na apresentação para Wall Street sobre o plano de transformação da Best Buy.

Alguns meses depois, contudo, um novo CEO chegou com um novo plano de transformação e contratou outro executivo digital. Uma superestrela conhecida por ser especialista em operações online pelo mundo todo, Scott Durchslag, que foi atraído do seu cargo anterior de presidente da Expedia Worldwide, para ser o presidente de comércio online global da Best Buy, reportando directamente a Gillett. Então, apenas algumas semanas depois, numa quarta-feira fria no meio do feriado e de uma crise de compras, Gillett subitamente demitiu-se da Best Buy. Ele havia aceite uma oferta para o cargo de COO da Symantec.

Havia algum tipo de tensão numa empresa que, em certo ponto, possuía simultaneamente um CIO, um CDO e um presidente? Durchslag sustenta que todos os líderes séniores da Best Buy concordaram com relação às prioridades da empresa, apesar de que reconhece que, talvez, tenham existido chefes de tecnologia demais.

“Menos é mais em relação às questões organizacionais numa reviravolta”, conta ele. De qualquer forma, horas após Gillett ter ligado para o CEO com o propósito de se demitir, o poder foi consolidado sob Durchslag: aquele que supervisiona os negócios e o marketing online como também o programa de fidelidade do cliente. Ele elogiou Gillett denominando-o um “líder inspirador” numa recomendação que escreveu no LinkedIn após Gillett ter saído. Gillett não quis ser entrevistado.

Um mês após Gillett ter saído, a CIO Jody Davids também se demitiu. Davids tinha entrado na Best Buy em 2010, após uma década como CIO da Cardinal Health, avaliada em 107,5 mil milhões. Como parte de uma confusão executiva no Outono passado, o director administrativo da Best Buy foi-se embora e Davids foi contratada novamente para responder à nova CFO e CAO, Sharon McCollam.

Não foi claro durante o curto mandato de Gillett qual seria o papel do grupo de TI interno de Davids. Durchslag diz que planeia procurar a maior parte da sua tecnologia e dos seus funcionários por contra própria, e não usá-los a partir da TI corporativa. Esta “está voltada para o lado interno. Eu sou responsável pelo externo”, refere.

Todos os grandes pedidos de despesas da TI vão agora para Durchslag antes de prosseguirem, para que assim ele “possa ver onde se encaixam nas prioridades [gerais da empresa]”, diz ele. Caso o pedido passe por esse obstáculo, prossegue para McCollam, a CFO e CAO. “Sharon e eu seremos parceiros”, conta Durchslag.

Perturbações executivas são comuns numa transformação digital, refere Aron, da Gartner, e é ai que o CIO pode perder influência. É um momento particularmente perigoso para CIOs que possuem uma mentalidade de “guardião” e que tentam manter tudo seguro e estável, refere. “Os CDOs que pensam sobre estratégia são potencialmente ameaçadores para o CIO”. Assim, os CIOs precisam de decidir trabalhar com, ou na sombra de, um executivo digital, aconselha.

Russell Reynolds prevê que os CDOs, com as suas credenciais em administração geral, operações, geração de receita e estratégia de tecnologia, podem ser bem sucedidos como CEOs. Poucos dizem isso até mesmo sobre os melhores CIOs.

Território inexplorado
Os CIOs que se sentem desprezados ou que se preocupam com o facto de possuírem pouco a contribuir para uma transformação digital não estão fazendo favor algum a eles mesmos. “Supere isso”, diz Wasterman. “Não conseguiu o trabalho do CDO? Isso não significa que não possui um papel importante a desempenhar”.

Afinal, um CIO conhece todos os sistemas e processos numa empresa e ainda sabe como os financiamentos funcionam – informações que são vitais. Em parceria com um director digital, um CIO pode fazer novas descobertas.

Garner e Brotman criaram uma promoção que bateu recordes no Starbucks, numa parceria com o LivingSocial, uma página de ofertas diárias. Uma oferta de um dia em Setembro do ano passado deu aos compradores um cartão-presente online de 10 dólares no Starbucks. As pessoas compraram 1,5 milhões desses cartões, tornando-a na maior campanha promocional de toda a história da LivingSocial, conta Garner.

Ele e Brotman criaram uma “sala de guerra” para monitorizar a acção. Um grande ecrã exibia um painel de controlo das métricas sobre a actividade dos clientes e qualquer erro técnico que pudesse ter atrapalhado o registo de novos cartões em Starbucks.com.

Não havia espaço para uma falha das TI. “Uma grande salva de palmas veio do lado técnico à medida que começámos a superar o recorde do LivingSocial”, conta ele, recorde esse que foi de 1,16 milhões de cartões para presentes da Amazon com 50% de desconto, um recorde alcançado em 2011. “O lado de Adam aplaudiu conforme superámos o nosso recorde de número de transações simultâneas”.

A OfficeMax está a contemplar as suas próprias jogadas. Por exemplo, a empresa deseja oferecer uma gama maior de produtos online, alguns dos quais seriam enviados a partir do fabricante ou distribuidor sem passar pela cadeia de fornecimento existente da OfficeMax, conta Barr.

Isso iria exigir mudanças na parte financeira e nos sistemas de atendimento. É parte do conceito de “corredor infinito” que possui o papel de atender mais as necessidades do cliente, conta ele. A OfficeMax pode também fazer uma parceria com fornecedores locais para oferecer serviços para pequenos negócios.

Ajudar a empresa a testar novas ideias é muito importante para CIOs procurando melhorar as suas capacidades e as suas reputações, diz Westerman. Ele conta a história dos mecanismos de busca franceses, como o PagesJaunes, na qual o CEO contou aos funcionários alguns anos atrás que não iria fazer mais listas telefónicas em papel.

Em vez disso, eles estavam no negócio de ligar pequenos negócios a clientes locais. A empresa entrou no ramo da consultoria, ajudando pequenos negócios a criarem páginas, aperfeiçoarem os seus serviços de busca e a criarem aplicações móveis – com um novo CIO envolvido.

Neutralize a ameaça
A Best Buy aventurou-se nas novas terras através de lojas “conectadas”, equipadas com um servidor de fibra óptica e WiFi para que os seus clientes pudessem testar versões completamente funcionais dos seus telefones, tablets e outros produtos electrónicos. Uma equipa de vendas altamente treinada responde às questões dos clientes, ajuda a configurar os novos dispositivos e oferece suporte de acompanhamento, tudo de forma gratuita.

Um objectivo chave desta mudança foi tornar-se uma fonte de informações fiável e imparcial sobre produtos concorrentes e confusos, conta Josh Will, vice-presidente das lojas conectadas.

Transformações corporativas exigem que os executivos imaginem como descobrir – ou criar do zero – algo a partir dos restos da antiga empresa, refere Durchslag. “É necessário ter uma visão do futuro” – a qual ele não está certo de que todos os CIOs possm ter.

Tipicamente, um CIO chega ao topo da organização de TI, pois sabe como administrar riscos “e evitar conflitos”, conta ele. “É intrinsecamente defensivo, aprender a partir dos erros e deixar as pessoas muito concentradas no passado”. Seguir para o modelo digital, com um CDO no comando, “não precisa de ser uma ameaça. Pode ser um caminho de carreira”, diz Durchslag, mas apenas para CIOs que conseguem evitar os padrões históricos.
(CIO/IDG Now!)




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