“Nacionalização” do .pt é possibilidade com integração da FCCN na FCT (actualizado)

Presidente da FCCN antecipa “nacionalização” no registo de domínios. E rede científica nacional pode ser concorrência a operadores privados.

A integração da Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) na Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) pode levar a uma “nacionalização” dos registos do domínio de topo .pt, alerta o presidente da FCCN, Pedro Veiga. Esta integração pode afectar também a rede científica nacional ou o GigaPix. Em várias medidas da Agenda Portugal digital, a FCCN já deixou de existir e as suas competências a serem assumidas pela FCT ou pelo ministério da tutela.

O processo iniciou-se a 11 de Dezembro passado, quando uma discreta linha no comunicado de imprensa do Conselho de Ministros sobre uma alteração à Lei Orgânica do Ministério da Educação e Ciência (MEC) referia que o “diploma prevê, ainda, a integração da missão e das atribuições” da FCCN na FCT.

Essa lei foi publicada a 31 de Dezembro em Diário da República e nela se confirma a integração mas ainda em “termos a definir em diploma próprio”, que ainda não foi publicado. No entanto, o decreto-lei no final do ano já antecipa que a integração se traduz “na simplificação das estruturas orgânicas do MEC, o que implica uma redução de cargos dirigentes e da despesa pública no âmbito deste ministério”. No comunicado do Conselho de Ministros, fala-se que, “no cômputo global, estas alterações reduzem em 9 o número de cargos dirigentes e representam uma poupança de mais de 400 mil euros/ano”.

Na prática, a FCCN já está a ser substituída nas suas funções – apesar de, em Setembro, no censo às fundações, ter tido uma avaliação positiva e sido uma das entidades com proposta de manutenção ou sem qualquer alteração ao seu estatuto. As verbas públicas recebidas pela instituição foram, “essencialmente, [para] programas de investigação”.

No documento da Agenda Portugal Digital, que o Computerworld ontem apresentou, há medidas propostas usando plataformas da FCCN e cujo “responsável pela implementação” já é referenciado como sendo a FCT e/ou o MEC.

É o caso da medida “E-Ciência e Internet do futuro” para, até 2015, “estimular o desenvolvimento de instrumentos de apoio às atividades da comunidade científica e à inovação, tais como plataformas nacionais fornecidas pela Rede Ciência Tecnologia e Sociedade (RCTS) com serviços distribuídos para as atividades de investigação e para o ensino superior, com elevadas economias de escala. Promover o apoio ao trabalho colaborativo à distância, através da supercomputação, computação GRID (INGRID – Iniciativa Nacional GRID), computação científica voluntária (IBERCIVIS), o acesso às bibliotecas científicas digitais e aos repositórios de acesso aberto, de resultados dos projetos I&D, outras publicações académicas e de dados”.

Na medida “consolidar a rede unificada da educação”, da responsabilidade do MEC e a ser desenvolvida este ano, fala-se de “integrar a rede de dados das escolas, organismos do MEC e RCTS, com vista ao estabelecimento de uma plataforma de comunicações de dados comum através: do alargamento da RCTS aos organismos do MEC ainda não ligados, beneficiando das ligações de elevado débito da RCTS, tanto para os operadores nacionais, como para a Europa e o resto do mundo”, bem como o “desenvolvimento de uma rede unificada de voz para o MEC, em interligação com a rede de dados, fazendo convergir comunicações fixas e móveis e procurando interligar com outros sistemas de rede de voz da Administração Pública”.

Operador científico?
A integração da RCTS em domínio público no âmbito da FCT (a FCCN é uma instituição privada sem fins lucrativos) é apetecível, apesar de poder levantar alguns problemas. A rede da FCCN é constituída por três cabos principais de fibra óptica – com algumas ramificações secundárias – que vão de Lisboa a Braga, do Porto a Valença e de Lisboa a Elvas, explicou Pedro Veiga ao Computerworld. A rede liga universidades, laboratórios do Estado ou institutos politécnicos (ver mapa).

Este responsável já tinha proposto o uso da rede pela Administração Pública dado que, das 48 ligações em fibra óptica, apenas usam quatro. A FCCN tem ainda uma plataforma de voz sobre IP (VoIP) que tem permitido poupanças financeiras às instituições abrangidas relativamente aos valores de mercado.

Recorde-se que, só entre Julho de 2011 e Dezembro passado, o MEC teve de pagar quase oito milhões de euros à PT Comunicações pelo “fornecimento de serviços de comunicação de dados, de serviços de internet, de locação do equipamento terminal, de alojamento de servidores e interligação entre as redes lógicas das escolas dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos do ensino básico público, das escolas secundárias do ensino público e dos organismos centrais, regionais e tutelados do Ministério”.

Pedro Veiga lembra que a FCT, como entidade financiadora, não tem “competências” para assumir os objectivos da FCCN. Nomeadamente em termos de quadro de pessoal, que o responsável da FCCN considera poderem ser “mal enquadradas” na FCT e assim se possibilitar uma “fuga de cérebros” para o mercado empresarial. Das 75 pessoas da Fundação, 42 são técnicos e 13 do DNS.pt. A Associação das Universidades da Língua Portuguesa revelou mesmo que “vários engenheiros e informáticos da FCCN já decidiram sair para empresas privadas, revelando a sangria de quadros treinados que a integração num instituto público (IP) acarreta e a dificuldade de recrutamento neste enquadramento”.

A par da rede, a FCCN detém ainda a gestão de dois serviços que raramente estão na esfera pública, como o domínio de topo .pt (DNS.pt) e o GigaPix.

No primeiro caso, estão registados mais de 517 mil domínios, sendo a liberalização “a grande impulsionadora do aumento do número de registos” recente. Veiga considera que a passagem do DNS.pt para o âmbito público “é pouco razoável, é a nacionalização do .pt” e “não existe em quase nenhum país”.

Na Europa a 27, só a Espanha tem esse modelo, sendo a grande maioria gerido por uma entidade sem fins lucrativos. Esta opção faz sentido, até para evitar o potencial interesse de um governo em obter receitas nos registos, aumentando o seu custo (a FCCN tem tendencialmente baixado o preço dos mesmos). Isto faria diminuir os registos no domínio de topo do país e facilitar a fuga para domínios mais genéricos como o .com e o .net.

Da fundação para uma associação
O momento pode servir para tomar outro tipo de opções. Por exemplo, “achamos que é uma boa oportunidade para discutir novamente a possibilidade da gestão do DNS.pt passar para uma associação privada sem fins lucrativos, onde estão os agentes do sector, deixando de ser gerida por qualquer entidade governamental, à semelhança do que já se faz em muitos países e é prática nas questões de governação da Internet”, diz António Miguel Ferreira, presidente da Comissão de Hosting da Associação de Comércio Electrónico e Publicidade Interactiva (ACEPI). Esta comissão resulta da integração na ACEPI, desde final de 2012, da associação de empresas prestadoras de serviços de registos de domínios e alojamento (APREGI).

“Também queremos discutir com a FCT o modelo de registo de domínios, para que a FCCN/FCT deixe de ser um agente de registo diretamente no mercado e passe apenas a atuar através dos agentes de registo acreditados, que são mais eficientes e permitirão diminuir substancialmente a estrutura de custos da FCCN/FCT”, refere o mesmo responsável.

No caso do GigaPix, Pedro Veiga considera igualmente “intolerável” ter uma entidade pública a gerir o ponto de encontro nacional de tráfego de operadores comerciais (o ponto de encontro nacional do tráfego dos operadores evita o consumo desnecessário de recursos internacionais no tráfego de dados em e para Portugal).

Também neste caso – e no que respeita à privacidade e segurança dos dados -, a Comissão de Hosting da ACEPI não considera “que exista actualmente uma situação problemática. Efectivamente, também acreditamos que, ainda mais do que no caso do DNS.pt, o ‘peering’ devesse ser gerido por uma entidade privada, com maior pendor comercial e de capacidade de dinamização e crescimento. Mas o GigaPIX tem funcionado bem, tem uma equipa competente e não tem por isso sido uma preocupação dos operadores terem uma alternativa”, finaliza.

O Computerworld enviou esta tarde várias questões para a presidência da FCT mas não obteve quaisquer respostas até à hora de publicação deste artigo.

[Actualizado com declarações da AULP]




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