“Mais importante do que ter um CIO na AP é haver um modelo de governação”

O modelo a adoptar não poderá ser muito centralizado defende o almirante António Marques, superintendente dos Serviços de Tecnologias de Informação da Marinha.

“A ideia de ter um CIO para a Administração Pública (AP) não é má”, defendeu o almirante António Marques, superintendente dos Serviços de Tecnologias de Informação da Marinha, num recente evento organizado pela Bright Partners. Contudo, mais importante, “é haver um modelo de governação das TIC”, salienta o CIO da organização.
Na sua perspectiva, este não pode ser demasiado centralizado. Como referência, assinala o modelo adoptado pela NATO.
No caso da AP, o oficial sugere a existência de um executivo responsável por definir a “arquitectura de referência” que todos os organismos deviam seguir. Mas depois deveria haver figuras, como directores de sistemas de informação, para todas as grandes áreas do governo, defende. Responderiam ao CIO mas estariam mais próximos das necessidades específicas de cada sector.
“Um modelo muito centralizado não funcionaria porque existem muito requisitos específicos e ou existe proximidade para satisfazê-los, ou os utilizadores vão eles mesmo procurar soluções”, explica.  Consequentemente, prevê, iriam emergir riscos de segurança da informação significativos, especialmente havendo cada vez mais serviços em cloud computing no mercado.
Sobre o plano de racionalização do investimento do Estado em TIC, António Marques salienta um impacto benéfico no campo do licenciamento – por via das economias de escala previstas. Mas manifestou algumas preocupações relacionadas com a aplicação do decreto-lei 107/2012.
Mais especificamente, duvida que seja prático em situações críticas de emergência. Para salvaguardar o caso da Marinha, a organização já está a preparar uma exposição, visando beneficiar das excepções previstas no decreto-lei referentes a sistemas operacionais críticos.
Entretanto, depois da 9ª conferência do itSMF (realizada esta terça-feira), António Marques manifestou-se menos apreensivo após as explicações de Gonçalo Caseiro, vogal do conselho directivo da AMA. De acordo com este responsável, a AMA poderá delegar a avaliação do referido tipo de  investimentos ou despesas a um responsável – ligado à governação das TIC –, em cada ministério ou em algumas áreas da AP.
Para isso, será necessário haver um plano de investimento e de gastos previamente definido, e aprovado.
Marinha procura adoptar cultura de gestão de projectos
Desde 2009, o almirante está a desenvolver a implantação de uma abordagem de governação baseada em gestão de projectos. Trata-se de um plano de desenvolvimento da capacidade de gestão de projectos à escala corporativa, na Marinha Portuguesa.
Como suporte tecnológico aos processos de gestão de projecto foi implantada a plataforma Enterprise Project Management, da Microsoft, conjugada com o Sharepoint (2007 e 2010) – servidor de suporte a actividades de colaboração. Paralelamente, foram formadas 15 pessoas em gestão de projectos. Nove constituem hoje um corpo mais focado em implantar na organização as boas práticas dessa área.
A oportunidade mais relevante de utilizar a plataforma entretanto implantada, e os conhecimentos, surgiu com a Operação Atalanta 2011 – de combate à actividade da pirataria no Oceano Índico. Portugal participou com a fragata Vasco da Gama, como navio-chefe da força, e o aprontamento, projecção e regresso do navio foram administrados já numa lógica de gestão de projectos.
Alimentar sistemas com informação foi um desafio
O CIO não se furta a revelar os desafios apesar de fazer um balanço positivo: “na linha da frente ainda não se nota o impacto, mas há sinais de claras alterações comportamentais e de coordenação dentro da organização”.
Um dos principais desafios relaciona-se com a dificuldade de convencer os recursos humanos a cederem informação e alimentarem os sistemas de relatório sobre os projectos. Mesmo assim, considera haver melhorias na obtenção de conhecimento tácito e explícito com o sistema implantado.
Como qualquer processo de mudança, este não esteve isento de resistências internas. A solução passou por segmentar os recursos humanos de acordo com a sua adesão.
Os elementos resistentes foram paulatinamente isolados, juntamente com os seus seguidores. Apesar de se tratar de um projecto a ser implantado numa organização militar, usar o poder da hierarquia não garante de antemão a adesão à mudança, assegura António Marques.
Outro desafio passou por garantir um parceiro externo suficientemente sólido para poder garantir a resolução dos problemas. O plano acabou por arrancar com a consultoria da Bright Partners.
Segundo o oficial,  foi avaliada a possibilidade de se adoptarem plataformas open source, numa lógica de redução de investimento inicial. Contudo, maior peso teve a necessidade de suportar o negócio central do departamento de TI da Marinha: ajudar a cumprir missões e não desenvolver software.
Acresce a inexistência de empresas capazes de dar suporte às plataformas de open source, consideradas interessantes para o projecto, segundo António Marques.  No âmbito da plataforma tecnológica foi implantada uma componente de mitigação de riscos, e um site de controlo de execução. Além disso, foram criados  vários painéis de controlo e o suporte à gestão de portefólio de projectos.
Factores de sucesso
Como elementos de sucesso na implantação do projecto, o oficial refere os seguintes factores:
– olhar para a gestão de projectos como uma capacidade;
– criar oportunidades de usar as metodologias e aproveitá-las;
– empreender uma liderança activa;
– incutir uma cultura de gestão de projectos na organização – para criar massa crítica,
– comunicar sobre o projecto para envolver as pessoas.
António Marques considera importante reforçar a cultura da organização em gestão de projectos com o ensino nas escolas da Marinha. O objectivo será criar massa crítica.



  1. Excelente entrevista ao Alm. António Gameiro Marques.
    Parabéns à Computerworld pela abordagem ao tema e ao Alm. Gameiro Marques pela qualidade das respostas.
    Parabéns a toda a equipa da Marinha que tem perseverado nesta construção, são um exemplo a seguir por entidades públicas e privadas.

  2. Parabéns á Marinha pela visão de que a gestão por projectos alavanca a eficiência organizacional e pela coragem de empreender uma tarefa destas numa organização com uma forte cultura organizacional.

  3. Já tinha ouvido o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa falar deste caso de sucesso da Marinha, e agora percebi bastante melhor como tudo isso foi possível. Seria ótimo que outros órgãos da AP seguissem este exemplo.

  4. António Gonçalves 26 de Maio de 2012, 13:06

    A entrevista do Almirante António Gameiro Marques é reveladora da aposta da Marinha na gestão de projetos baseados nas TI, alterando comportamentos organizacionais para cumprir de forma mais eficiente as missões atribuídas.

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